Sair de casa dos pais é um sonho adiado para muitos jovens
Mais de metade dos jovens portugueses até aos 34 anos ainda vive com os pais. Salários baixos e preços das casas podem ser explicações para a emancipação tardia. Da Póvoa de Santa Iria a Almeirim O MIRANTE ouviu as experiências e dificuldades de quem quer dar o passo, mas só encontra pedras no caminho.
O final da licenciatura em Engenharia Electrotécnica, que frequentou em Leiria, empurrou Jorge Leão de volta para casa dos pais, em Almeirim, há quatro anos. Ao mesmo tempo que voltava a dormir no seu quarto de adolescente estreava-se no mundo do trabalho. Conseguiu um emprego na sua área e começou as poupanças com o objectivo de um dia poder dar aquele que considera ser o derradeiro passo para a vida adulta: ter casa própria. Um objectivo ou, como lhe chama, “uma prioridade” que tem sido adiada pela dificuldade em encontrar uma habitação que se coadune com as suas necessidades e possibilidades financeiras. “Da maneira que está o mercado prefiro esperar a arrendar porque a renda mensal possivelmente sairia ao preço da prestação ao banco. Assim vou poupando até chegar o momento. Não sinto pressão dos meus pais para sair, mas quero sair”, diz a O MIRANTE o jovem de 27 anos, explicando que no seu grupo de amigos - que estão dentro da sua faixa etária - apenas um mora sozinho em casa própria. “Se ao menos tivéssemos mais facilidade em contrair empréstimo bancário com o banco a emprestar os 100 em vez dos 90% já era uma ajuda”, desabafa.
Segundo dados do Eurostat, o serviço de estatística da União Europeia, mais de metade dos jovens portugueses até aos 34 anos ainda vive com os pais (54,4%). Na frente da tabela estão países como Suécia e Finlândia, onde apenas menos de 4% dos jovens nesta faixa etária adia essa saída. Pior do que Portugal só estão a Croácia, a Grécia e Eslováquia. Um outro relatório, da Pordata, refere que, em média, os jovens não conseguem sair de casa dos pais até aos 30 anos. “Há vários factores que explicam isso”, disse à Lusa o presidente do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), referindo, como exemplo, as condições de trabalho dos jovens em Portugal. De acordo com os dados, seis em cada 10 jovens empregados têm vínculos de trabalho precário, já outros não conseguem deixar a casa dos pais devido ao aumento significativo dos preços da habitação.
É o caso de Rodrigo Figueiredo, de 27 anos, agricultor por conta própria há cerca de um ano. “Quando acabei o 12º ano comecei a trabalhar, poupei, mas agora que quero não consigo comprar casa devido aos valores”, afirma, acrescentando que juntamente com a namorada têm estado à procura de uma casa que consigam pagar. Arrendar uma casa ou um quarto simplesmente para poder dizer que conquistou a sua independência também não é opção para Rodrigo Figueiredo por considerar que se trata de “um desperdício de dinheiro” pagar por uma casa que nunca iria ser. O que prefere, explica, é ter paciência e esperar pelo momento certo, nem que isso signifique ter que continuar a viver em casa dos pais, embora se sinta, por vezes, uma espécie de fardo. “Não é que os meus pais não me deixem à vontade mas a liberdade de morar sozinho é totalmente diferente. Os meus pais quando tinham 19 anos já moravam sozinhos e aos 22 já eram pais. Tenho 27 e estou muito longe disso. A vida de adulto hoje começa muito mais tarde porque também se estuda até mais tarde” e consequentemente se começa a trabalhar mais tarde.
Ordenados não acompanham aumentos
Estudar, tirar uma licenciatura e de seguida uma pós-graduação não impede que se comece a trabalhar em simultâneo com o objectivo de alcançar a tão almejada independência. Marta (nome fictício), de 26 anos, residente na Póvoa de Santa Iria é exemplo disso. “O objectivo, desde muito pequenina sempre foi ter uma casa minha porque via a minha mãe sozinha a sustentar-me a mim e à minha irmã e tinha uma casa dela. Comecei a trabalhar no último ano da licenciatura - em Engenharia do Ambiente -, paguei a pós-graduação que tirei para conseguir ganhar um bocado mais e tenho algum dinheiro junto. Sinto que fiz tudo da maneira certa e se fosse há uns anos acho que já teria a minha casa, hoje sei que não consigo”. Durante uns tempos Marta, que trabalha como auditora financeira, deixou a casa da mãe para ir morar com o seu namorado para uma habitação cedida por um familiar, mas o término do relacionamento obrigou-a a voltar atrás. “O regresso foi duro. Damo-nos bem lá em casa, eu a minha mãe e a minha irmã, mas já tinha o meu espaço, criado a minha rotina, já não estava habituada a viver com elas, foi um choque inicialmente”. Hoje, mais conformada com a situação, sai para tomar café ou jantar com as amigas, mas se não for dormir a casa, explica, sente-se na “obrigação” de avisar a mãe. “A casa é da minha mãe, sigo as regras dela”, atira, acrescentando que embora não esteja nada estipulado vai ajudando nas despesas comuns.
Em casa dos pais de Ricardo Lambéria, no Cartaxo, nunca se falou em repartir despesas, mas há uma espécie de sentido de obrigação inerente que o leva a fazer compras de vez em quando. O mesmo é válido para as tarefas domésticas. “Não sinto pressão para sair, damo-nos todos bem, mas a minha vontade é sair. Só que hoje em dia não é fácil com os valores das rendas e os ordenados que não acompanham esses valores”, afirma o jovem que é trabalhador efectivo numa empresa do sector da electricidade. Estes jovens, que trabalham e têm vontade de saltar fora do ninho onde cresceram, são muitas vezes descredibilizados. Para Ricardo Lambéria importa, por isso, salientar que “há uma grande diferença de antigamente para agora. As pessoas começavam a trabalhar mais cedo e as coisas não eram tão caras, conseguiam comprar o que precisavam e juntavam dinheiro; conseguiam ter uma casa. Hoje trabalhamos, mas o dinheiro não chega para nada”. Marta subscreve as palavras de Ricardo Lambéria, mas acrescenta que se por um lado há jovens que têm como objectivo comprar casa e poupar nesse sentido há, por outro lado, “jovens que só pensam no agora e que não pensam em poupar para um dia ter uma casa”.
Seis em cada 10 jovens têm vínculos de trabalho precários
De acordo com os dados da Pordata divulgados no mês de Julho seis em cada 10 jovens empregados têm vínculos de trabalho precários e cerca de metade diz estar nessa situação por não conseguir encontrar trabalho permanente. Na União Europeia Portugal assume a quinta posição na tabela com maior proporção de jovens com vínculos de trabalho precários e posiciona-se em sétimo lugar no que respeita às maiores taxas de desemprego jovem, que afecta um em cada cinco. O relatório identifica ainda um número significativo de jovens (quase 25%) em situação de pobreza ou exclusão social.