"O pior que me podiam fazer era entregarem-me um papel para assinar"
Depois de chegar à meia-idade Anabela Domingos encheu-se de coragem e voltou a sentar-se numa sala para aprender. Abandonou a escola antes de terminar a terceira classe e, por isso, foi-se esquecendo de como se desenhavam e juntavam as letras do alfabeto. Tremia só de pegar numa caneta. Depois de integrar a turma do projecto Alfabetização para Todos, da Junta de Benavente, deixou de pertencer às quase trezentas mil pessoas em Portugal que não sabem ler nem escrever.
Quando lhe passamos um papel e uma caneta para as mãos, Anabela Domingos já não petrifica a pensar nas letras que tem de juntar. Com a mão firme escreve o nome completo numa caligrafia cuidada que revela o treino empenhado do último ano nas aulas do projecto de alfabetização promovido pela Junta de Benavente. Aos 54 anos pode, finalmente, dizer que sabe ler, escrever e compreender ao invés de se encolher de vergonha, o que acontecia sempre que lhe entregam um formulário para preencher ou um documento para assinar. Já não precisa de fingir entender as legendas dos filmes transmitidos na televisão nem de disfarçar o analfabetismo com uma escrita tremida, sem sentido, e muito apressada para que não percebessem essa sua fragilidade que já ultrapassou.
“Esta foi uma das grandes decisões da minha vida. O pior que me podiam fazer era entregarem-me um papel para preencher e assinar. Mas vim cheia de esperança, com o apoio das colegas de trabalho”, conta a O MIRANTE, numa conversa que se faz na sede da junta, mais precisamente na sala onde durante um ano, rodeada de outros que como ela não sabiam unir letras ou compreender o que liam, perdeu o medo e aprendeu a acreditar que era capaz. Era isso, refere, que lhe faltou durante anos: acreditar nas suas capacidades. “O mal é que punha na ideia que não ia ser capaz. Era um complexo, sentia pânico”, conta a funcionária do Centro de Recuperação Infantil de Benavente de auto-confiança renovada. Depois acrescenta: "Nunca é tarde e eu quero aprender mais”.
O Dia Internacional da Alfabetização comemora-se a 8 de Setembro em todo o mundo, com o objectivo de alertar para a importância da alfabetização como factor de dignidade e de direitos humanos, e também para trazer para a ordem do dia uma agenda de alfabetização que contribua para uma sociedade mais instruída. Em Portugal, de acordo com os resultados dos últimos Censos, há 292.809 pessoas com 10 ou mais anos que não sabem ler nem escrever.
*Reportagem completa na próxima edição semanal de O MIRANTE