Sociedade | 13-09-2023 07:00

Trocar a cidade pela calmaria do campo ribatejano

Trocar a cidade pela calmaria do campo ribatejano
Jorge Rodrigues, 48 anos, não se imagina a voltar a viver numa grande cidade desde que conheceu a vida na aldeia

A tendência de quem nasce no interior é, mais cedo ou mais tarde, fazer as malas e ir à procura de melhores condições de vida no litoral. Jorge Rodrigues pertence à minoria que faz o percurso inverso. Há quatro anos trocou a agitação de Lisboa, onde nasceu, pela quietude que se vive na aldeia de Arrifana, no concelho de Azambuja.

Acordar ao som do toque do despertador, fazer a higiene pessoal, comer apressadamente, descer as escadas do prédio, correr para a estação de metro, apanhar o transporte para dali a uns minutos trocar de linha e apanhar o que o vai deixar mais próximo do local de trabalho. Era assim o início do dia de Jorge Rodrigues; uma rotina frenética mas inquestionável após tantos anos de repetição. Não conhecia outra forma de vida que fosse mais calma do que aquela a que estava habituado em Lisboa, cidade onde nasceu, trabalhou e viveu toda a vida, até resolver, em 2019, fazer as malas e ir em busca de melhor qualidade de vida.
O crescimento dos nómadas digitais - aqueles que aproveitando a tecnologia trabalham remotamente - e o período de confinamento da pandemia fizeram aumentar o número dos que trocaram as cidades por vilas ou aldeias do interior, tendencialmente por lugares onde já se tinha casas de família ou raízes. Também essa tendência não faz parte do percurso de mudança de Jorge. “Nem sabia onde ficava Arrifana. Vi na Internet uma casa com quintal que agradou e vim. No caminho sentia que estava a ir para o fim do mundo porque passei Azambuja, Aveiras de Cima, Alcoentre, Manique [do Intendente] até finalmente chegar a esta esquina do concelho”, conta.
A casa com divisões de área generosa, um quintal onde os dois cães, habituados ao espaço limitado de uma varanda de apartamento, iriam poder andar mais livremente, a vista desafogada para uma vinha e, claro, o preço que em nada se compara aos “valores altíssimos de Lisboa” convenceram Jorge e a companheira a optar pela mudança que também incluiu o filho, Rui, que hoje tem 14 anos. Durante um tempo continuou a ir para o escritório no Parque das Nações. Nessa altura, confessa, “não sabia se ia conseguir aguentar” porque tinha que fazer diariamente mais de duas horas em viagens. Mas com a pandemia veio o trabalho remoto que a empresa decidiu manter para alguns após o levantamento das restrições. “Voluntariei-me logo. Passei a acordar muito mais perto da hora de começar o dia de trabalho e só com o tempo que poupava em viagens ganhei mais qualidade de vida”, afirma.
“Na interioridade ganhei a tranquilidade de não ter que pensar onde vou ter lugar para estacionar o carro, ou sequer se tranquei a porta porque sei de cor as pessoas que passam na minha rua”. No início, confessa, “achava estranho toda gente saber o [seu] nome”, onde morava, o que fazia e a que horas entrava ou saia de casa. “Em Lisboa ninguém sabia da minha vida”, sublinha, explicando que passou a encontrar nesta característica dos habitantes da aldeia mais prós do que contras. “Aqui a população é maioritariamente idosa. Se um vizinho não for visto durante o dia alguém vai a casa dele tentar saber se está tudo bem. Em Lisboa há quem morra em casa sozinho e possa estar dias ou anos até se saber, ninguém dá por falta”, diz.

A vida no interior não é só feita de rosas
A viver “uma vida mais tranquila” sem correrias e os barulhos típicos de uma cidade desenvolvida, Jorge Rodrigues conta que se em Lisboa estava habituado ao som estridente dos aviões, na altura em que morava num sétimo andar na Avenida dos Estados Unidos da América, demorou a habituar-se ao som do sino da Igreja de Arrifana que toca à hora certa e a cada meia hora. “No início perguntava-me como é que as pessoas conseguiam dormir com um sino a tocar a noite toda”, recorda.
Este foi o primeiro ponto da conversa para Jorge Rodrigues explicar que viver no campo não são só rosas. Há no ganho do “viver mais devagar” o peso da interioridade. “Se queremos ir ao cinema temos que percorrer quilómetros, se queremos ir às compras tem que se ir ao Cartaxo ou a Rio Maior, deixamos de ter médico de família e os transportes públicos em Arrifana são uma desgraça; só há nos dias úteis e se for de manhã cedo para o Cartaxo só posso voltar às 13h30, depois há outro às 19h00. Isto quando em Lisboa vemos novas estações de metro a abrir. Só tive noção desta disparidade entre cidade e campo quando vim para cá”.
Nesta migração para a aldeia onde ainda passam carrinhas com carne, pão e peixe para venda, Jorge Rodrigues quis aproximar-se mais da natureza. Plantou tomateiros no quintal e nos períodos de férias começou a aventurar-se a trabalhar nas campanhas agrícolas sazonais, como a da apanha da pêra e a da uva, que também experimentou pisar em lagar. Hoje, conta, sente-se “mais ligado à terra” até porque “uma coisa é achar que se sabe fazer porque se viu na televisão, outra é fazer”. Mas por aquelas terras, nota, já viveu muita mais gente do que aquela que agora a habita. “Oiço moradores de cá contar que havia aqui um clube de futebol e 50 miúdos, agora temos cinco”.
Uma realidade espelhada nos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) que indicam que, entre 2011 e 2021, Portugal registou um decréscimo populacional de 2% e acentuou o padrão de litoralização e concentração da população junto da capital. Jorge está determinado em continuar a contrariar a tendência mantendo a sua residência na aldeia. “Só percebi que em Lisboa era tudo caro e feito a correr quando vim para cá. Hoje não vejo qualquer vantagem em voltar para Lisboa nem me imagino a viver numa grande cidade”, remata.

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