Sociedade | 03-10-2023 07:00

Maria do Céu Antunes: “Abrantes está muito bem entregue”

Maria do Céu Antunes: “Abrantes está muito bem entregue”
ENTREVISTA
Maria do Céu Antunes deixou a presidência da Câmara de Abrantes para integrar os Governos de António Costa, primeiro como secretária de Estado, depois como ministra da Agricultura, cargo que desempenha actualmente

A ministra da Agricultura tem sido bastante criticada por organizações de agricultores e comentadores políticos. A CAP não a convida para as suas feiras e chama-lhe incompetente. Aos críticos, Maria do Céu Antunes responde com trabalho e diz que a sua motivação é o serviço público. “Se fosse fazer tudo o que me pedem geria ao sabor do vento”, diz nesta entrevista onde abordamos as relações com a CAP, o fracasso do Centro de Excelência para a Agricultura e o Projeto Tejo, entre outros assuntos.

Tem mais arrelias agora ou nos tempos de autarca? São diferentes mas tenho um gosto imenso de poder continuar a fazer serviço público.
Quando foi autarca passou por algumas polémicas, como a da compra de oliveiras, da aquisição de um Mercedes de luxo para a câmara ou da contestação de um antigo empreiteiro de Abrantes contra a câmara, que lhe devem ter tirado umas horas de sono. Felizmente durmo muito bem e tento que as preocupações se transformem em oportunidades para fazer mais e para fazer melhor.
Não sente saudades dos tempos de autarca? Sinto muitas saudades das pessoas de Abrantes.
Já não vai a Abrantes com frequência? Vou todas as semanas e estive lá ontem à noite. Fui visitar os meus pais, fui a dois velórios de pessoas amigas que faleceram e vim-me embora.
Abrantes está bem e recomenda-se? Abrantes é sempre uma cidade maravilhosa, sempre um concelho muito dinâmico e que está muito bem entregue.
Pensa um dia voltar a viver lá? Não sei. A minha vida pessoal é diferente da que tinha quando estava à frente dos destinos daquele município. Já sou avó. Tenho duas filhas, uma vive em Londres, a outra vive em Almada. É médica e o meu genro é marinheiro, dificilmente sairão daqui para outro lado. Estarei sempre muito perto das minhas filhas.
O seu sucessor na Câmara de Abrantes, Manuel Valamatos, está a fazer aquilo que gostaria que fizesse? Quando nos candidatámos, em 2009, ele fazia parte da minha equipa, construímos juntos um plano a 12 anos que fomos sempre actualizando de quatro em quatro anos. Fizemos coisas juntos às quais ele deu continuidade, como o Museu Ibérico de Arqueologia, o Museu Charters de Almeida, o Colégio de Nossa Senhora de Fátima, o espaço para os mercados e feiras, entre outras coisas. Felizmente teve a capacidade de rever aquilo que faltava fazer, actualizar em função das oportunidades e das necessidades e dar sequência a um trabalho que consideramos da máxima importância. Continuamos juntos e, mesmo à distância, continuo a acompanhar o trabalho que está a ser feito em Abrantes.

Maria do Céu Antunes: “às críticas respondo com trabalho”

Muita coisa mudou na vida de Maria do Céu Antunes desde que deixou a presidência da Câmara de Abrantes para integrar os Governos de António Costa, primeiro como secretária de Estado depois como ministra. Deixou cair o apelido do ex-marido, já é avó e passou a viver sozinha em Lisboa, embora continue a ir a Abrantes com frequência visitar os pais e amigos.
Recebe-nos numa tarde de quinta-feira, após um Conselho de Ministros, sem almoçar e com a inauguração de uma feira em Alenquer marcada para daí a poucas horas. Bebe um chá durante a conversa, que decorre no seu espaçoso gabinete com vista para o fervilhante Terreiro do Paço. Entusiasma-se a descrever as políticas e medidas que tem implementado e tenta driblar os jornalistas quando as perguntas são menos confortáveis. Aos críticos que lhe chamam incompetente diz que lhes responde com trabalho. Uma entrevista para ler também nas entrelinhas.

Como fica a sua auto-estima quando a classificam como incompetente como é o caso de alguns comentadores, cronistas e líderes de associações do sector? Respondo com trabalho, como sempre fiz. Iniciei a minha vida pública em 2006 e sempre soube lidar com a crítica e com o elogio. Ambos têm para mim um sentido, que é a responsabilidade de fazer mais e melhor.
Não fica magoada com essas críticas? Às vezes posso achar que são injustas, mas a injustiça também se combate com verdade, com trabalho, com honestidade e grande sentido de responsabilidade. E portanto cá estou eu…
Não há daqueles dias em que lhe apetece largar a política, desistir e dedicar-se a outras actividades? Nas nossas vidas pessoais e profissionais temos sempre momentos muito bons e outros menos bons; temos dias em que acordamos mais motivados e noutros menos motivados… Tento sempre ter uma motivação, que é servir os outros. Enquanto puder dar um contributo para melhorar a qualidade de vida dos meus concidadãos e deixar um futuro melhor para as minhas filhas e para a minha neta, cá estarei.
Considera natural que uma ministra da Agricultura não seja convidada para importantes eventos do sector como a Feira Nacional de Agricultura e a Agroglobal, organizados pela CAP no CNEMA em Santarém? A agenda da ministra da Agricultura é grande e diversa. Se eu elencar o número de eventos em que estive no passado recente…
Mas considera normal que o CNEMA não convide a ministra da Agricultura para eventos tão importantes? Isso fica com quem tem que fazer essa gestão. Do lado da ministra da Agricultura, aquilo que fiz foi exactamente o mesmo que tenho feito desde que cheguei a estas funções.
Mas podia ter visitado essas feiras mesmo sem a convidarem… Estiveram lá vários organismos em representação do ministério, financiámos inclusivamente o evento através da nossa participação...
Mais uma razão para perguntar se não considera uma descortesia não a terem convidado. Trabalhamos com todos…
Não ficou melindrada? Não estou aqui para me melindrar, estou aqui para trabalhar. De tal maneira não estou melindrada que já recebi aqui a nova direcção da CAP, já conversámos diversas vezes em diferentes fóruns e circunstâncias.
Só para terminar o tema: por que razão a CAP não gosta de si? Terão de lhes perguntar a eles. Estou cá para servir os agricultores portugueses e já hoje tive oportunidade de falar com o senhor presidente da CAP para tratarmos de uma situação que tínhamos em mãos. Ainda ontem estive na concertação social com todos os parceiros.
Resumindo, é porque não lhes faz as vontades? O que continuo a dizer é que a minha responsabilidade é trabalhar com todos da mesma maneira. E trabalho! Respeito a individualidade de todas as confederações e todos os seus associados para juntos podermos construir uma agricultura mais equilibrada.

Centro de Excelência para a Agricultura: “Houve uma falha do lado dos nossos organismos”

O projecto para criação de um centro de excelência para a agricultura e agro-indústria na antiga Estação Zootécnica Nacional, no Vale de Santarém, perdeu mais de cinco milhões de fundos comunitários por não ter sido executada obra no prazo estabelecido. Que consequências políticas foram retiradas desse fracasso? Não sei se posso dizer que tenha sido um fracasso nem que se possam tirar consequências políticas. Qualquer iniciativa que quem está em funções públicas tome tem sempre conclusões a tirar. Este foi um processo iniciado num período particularmente difícil, houve concursos públicos a ficarem desertos, houve um conjunto de circunstâncias que impediram a sua normal concretização. Se me perguntarem o que se pode tirar de positivo, digo que o próprio organismo que era parte desse processo conseguiu negociar com o Programa Operacional do Alentejo a possibilidade de entrar no pacote de financiamento seguinte.
Entretanto perderam-se alguns anos… Mas não se perdeu trabalho. O trabalho está a ser feito e é continuado. Por outro lado, ganhámos agora quase mais três milhões de euros para continuar a investir.
A questão é quando é que vamos ter obras? Porque o problema da perda de financiamento foi precisamente o de as obras não terem avançado. Uma ilação que também tirámos é que nem sempre a relação e nem sempre a partilha de informação foi feita da forma mais escorreita e correcta.
Precisamente. Os autarcas queixaram-se que o INIAV centralizou demasiado o processo. Houve uma falha do lado dos nossos organismos. E isso com certeza que servirá para esse e para outros momentos.
Mas não se retiraram consequências políticas disso. Na altura, há cerca de dois anos, os autarcas da Lezíria do Tejo sugeriram a demissão do presidente do INIAV, entidade que coordenava o projecto e que é tutelada pelo Ministério da Agricultura. E a senhora não lhes fez a vontade. Tenho que gerir todo o ministério e se for sempre fazer aquilo que é pedido deixo de ter uma orientação, deixo de ter um plano e ando a gerir ao sabor do vento. E não é isso que os portugueses e as portuguesas esperam de mim. Tenho muito respeito e amizade por todos os autarcas daquela região e enquanto ministra fui mantendo uma relação aberta de partilha com o presidente da Câmara de Santarém e com o presidente da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo. Aquilo que temos de fazer agora é andar para a frente.
Ou seja, a culpa morreu solteira como tantas vezes acontece neste país… Não morreu, foram tiradas ilações e foram corrigidos procedimentos. É por aí que temos que caminhar.
O mau estado das instalações do complexo da Fonte Boa é evidente. Não se sente um pouco envergonhada quando lá entra e vê o estado a que aquele espaço chegou? Se me sentisse envergonhada não estava cá a fazer nada e já me devia ter ido embora. Infelizmente, houve um desinvestimento muito grande durante décadas no que diz respeito à administração pública nos diversos domínios nomeadamente no das infraestruturas. Quando cheguei a esta casa senti que era necessário estruturar um plano estratégico a dez anos. Canalizámos um conjunto de objectivos para aumentar a adesão à dieta mediterrânica, para podermos ter mais jovens instalados em territórios de baixa densidade a fazer agricultura, para aumentar a produção agrícola, e com o compromisso de aumentarmos a inovação e desenvolvimento tecnológico em Portugal...
Estávamos a falar das instalações físicas da Fonte Boa. Quando é que se pode contar com obras naquele complexo? Está bem, já lá vou. O facto é que esta agenda de inovação criou um conjunto de 24 pólos dispersos pelo país a serem recuperados, a serem dinamizados em rede com outros actores do território. No caso da Fonte Boa, com a Escola Agrária de Santarém e com outros organismos do saber, do conhecimento científico, do desenvolvimento tecnológico e com os agricultores. E por causa disso, para além da reabilitação física daquele património e a dotação com equipamentos e recursos humanos, há também uma fatia muito significativa para o desenvolvimento de projectos imateriais.

O desfalque na Agromais, o processo Rui Barreiro, os imigrantes na agricultura e os preços

Ligaram-lhe a pedir ajuda por causa do desfalque de quase cinco milhões na Agromais ou pediu esclarecimentos aos responsáveis? Estamos particularmente preocupados com o futuro dos movimentos cooperativos e associativos. Sentimos que há territórios onde a agricultura para ser competitiva tem de passar pelos movimentos associativos. Numa relação estreita com a Confagri temos estado a trabalhar para a apresentação de um programa para a reestruturação, conversão e actualização do papel das cooperativas.
Está a falar em termos genéricos e a vender o seu peixe. Sobre a questão específica inteirou-se da situação? Está preocupada? Claro que estou preocupada, é do meu território e é uma organização que faz falta àquela região do país, até porque há agricultores que dependem dela para receberem apoios comunitários. Estamos a falar de um caso judicial e vamos aguardar para ver como é que a situação decorre. Continuamos a trabalhar para que a cooperativa possa desenvolver o papel que tem no território. Não nos imiscuímos, não nos envolvemos na vida dos movimentos associativos.
O que tem a dizer sobre o processo do funcionário do seu ministério, que foi secretário de Estado do PS e presidente da Câmara de Santarém, Rui Barreiro, que viu o tribunal confirmar haver uma promiscuidade das funções com a elaboração de candidaturas de agricultores? Não conheço o processo e não tenho que me pronunciar sobre essa matéria.
Há uma nova realidade de mão-de-obra asiática na agricultura em que alguns imigrantes vivem em más condições. Qual é a sua posição? Os problemas de mão-de-obra não estão circunscritos ao sector agrícola, há outras áreas como transportes, construção civil… Precisamos de ter condições para acolher quem decide viver em Portugal. Temos acompanhado as necessidades de mão-de-obra na agricultura, que é sazonal. Solicitámos aos municípios que no âmbito das estratégias locais de habitação pudessem ter em consideração alojamentos temporários e também para imigrantes que pretendam ficar no país. Estamos a financiar os equipamentos temporários amovíveis nas explorações agrícolas.
Está satisfeita com as condições dos imigrantes que trabalham na agricultura através de empresas fornecedoras de mão-de-obra? Não, mas esta é uma responsabilidade de todos. Quem arrenda as casas, quem contrata, também tem uma responsabilidade.
Como vê o surgimento de novas culturas, como a amêndoa, na zona da Lezíria, que tem dos solos mais férteis? A agricultura que se faz em Portugal é sustentável. A maior parte da nossa produção está num registo de produção integrada, que diz respeito às condições de trabalho, uso de fertilizantes, pesticidas e água. Os agricultores quando escolhem as suas produções não andam a fazer experiências, estudam a sua adequação e adaptação às condições existentes.

Há uma mudança de paradigma no consumo

Daqui por uns anos a estrutura das culturas vai ser diferente? Não sei se vai ser significativamente diferente, mas que vai ser diferente vai. A nossa estrutura de consumo também está a mudar. Há uma mudança de paradigma no consumo, nos hábitos alimentares dos cidadãos e na produção que é muito mais eficiente no uso dos recursos.
Se lhe dessem um hectare de terreno o que é que sabia plantar ou semear? Os meus avós foram agricultores, os meus pais tinham uma horta, portanto desde semear feijão ou batatas, plantar couves ou alfaces, sei fazer um pouco de tudo. Na pandemia tive durante um tempo na minha varanda morangos e couves de Bruxelas.
Quando vai ao supermercado acha que se justificam os preços a que estão os alimentos? O Ministério da Agricultura tem vindo a acompanhar com as medidas que nos parecem adequadas à situação. O pacto para a redução e estabilização dos preços ao consumidor disponibilizámos 180 milhões de euros à produção para ajudar a mitigar os efeitos da inflação. A ASAE tem feito o acompanhamento deste acordo. Sentimos a necessidade de prolongar esta medida até final do ano.
Não há um aproveitamento? Há um ano a esta parte, sentindo da parte dos produtores alguma insatisfação e desconhecimento por não conhecerem o que se passa com os preços desde a produção até ao consumidor, lançámos o observatório de preços. Tem neste momento 26 produtos agrícolas e das pescas. Não fazemos como a ASAE pelos preços na prateleira, mas pela consulta a quatro mil famílias e com base na factura da família no supermercado, para que de uma forma transparente se conheça o preço pago ao produtor e o pago pelo consumidor. Queremos que não haja no elo da cadeia prejuízo, ou seja, queremos que todos recebam a justa remuneração.

Não há condições para concretizar o Projeto Tejo

Em Março de 2022 noticiámos que o Ministério da Agricultura estava a fazer um estudo de viabilidade do chamado Projeto Tejo, um empreendimento para reservar e aproveitar a água no Tejo para fins múltiplos. O estudo está feito? O estudo está numa fase final. Já tive a apresentação das principais conclusões. O estudo foi feito de forma muito criteriosa, utilizando as condições actuais e criando condições para utilizar outras reservas a criar como, por exemplo, o transvase do Zêzere para o Tejo e a nova barragem no Ocreza. Todo este trabalho está feito e é muito importante para a regularização do caudal do Tejo, que vai permitir travar a cunha salina e possibilitar a não degradação dos mouchões, que são áreas agrícolas de grande importância.
O que vai acontecer a seguir? Até final do ano vamos ter o trabalho pronto para apresentar, para discutir publicamente.
O Projeto Tejo partiu de privados, os proprietários da Quinta da Lagoalva, e prevê a realização de várias obras num investimento calculado em 4,5 mil milhões de euros. Acredita que é exequível num país como o nosso? Se me perguntarem se temos condições neste momento para o fazer não temos nem nunca teremos para lançar um projecto desta dimensão. Teremos que hierarquizar e este estudo dá-nos essa possibilidade. Aliás, os próprios promotores ou recuperadores da ideia deste Projeto Tejo têm consciência que é preciso começar por algum lado e perceber por onde. A prioridade será sempre o consumo humano, o abeberamento animal, a produção agrícola, entre outros fins.
Tendo o projecto partido da iniciativa privada leva a crer que não existia uma estratégia no que toca às reservas de água para a região do vale do Tejo. A estratégia existe, temos uma Lei da Água em vigor, temos o regulamento para as obras públicas no regadio, ambos os instrumentos a serem revistos neste momento. Temos um plano nacional para o regadio, que estamos a completar, e já estamos a preparar uma estratégia para o próximo ciclo. Queremos até final do primeiro semestre de 2024 fazer a sua apresentação pública.
O Projeto Tejo veio mostrar que havia uma lacuna.
Não sei se veio mostrar que há uma lacuna. O projecto, como foi apresentado, tem muitas dimensões, como a navegabilidade do Tejo, o seu uso para a agricultura… Estamos também a desenhar um plano de eficiência hídrica, que está a ser feito regionalmente. Temos já os do Algarve e do Alentejo e estamos neste momento a desenhar o de Trás-os-Montes.
Então não há nada para o vale do Tejo. Não se pode dizer que não há nada porque há muita coisa feita e muita coisa que está a acontecer. O que queremos sistematizar é preparar-nos para dar uma resposta que possa construir uma solução de futuro.

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