Vivemos um ambiente depressivo
Pedro Afonso, natural de Santarém, é médico psiquiatra com uma carreira de 30 anos. É conhecido por exercer Medicina, mas também por escrever sobre os temas que dominam a actualidade política e social, como a eutanásia, legalização das drogas, o aborto e a prostituição.
É totalmente contra qualquer legalização dessas actividades e tem escrito sobre o assunto dezenas de vezes nos artigos que tem vindo a publicar no jornal Observador. Nesta conversa alguns desses temas ficaram por tratar, assim como os efeitos nocivos da internet na vida das pessoas quando ficam alienadas ao verem filmes que fazem o culto de determinadas práticas que podem gerar doenças ou problemas graves de comportamento, como é o caso dos sítios de encontros. Embora todas as conversas sejam sobre política, e esta não foge à regra, Pedro Afonso não abriu o livro; numa resposta que resume a sua postura afirmou que não comunica a sua opinião pessoal aos doentes, sejam eles de esquerda ou de direita. O título desta entrevista é roubado a uma pergunta sobre o futuro dos jovens.
Tempos desassossegados como aquele que vivemos escondem muitas misérias. Agora que passamos o pior da pandemia há muitos problemas por resolver que vão agravar mais a miséria social e humana? Ficaram muitas sequelas, principalmente na população idosa. O ser humano vive do contacto social e o isolamento retira-nos capacidades sendo que a população idosa é mais fragilizada nesse contexto. E esta pandemia levou a que muitos deles se deteriorassem muito. Hoje os lares já estão abertos mas foram dois natais, dois aniversários, sem a presença dos familiares.
Estamos quase a voltar ao normal, esquecendo por agora os problemas com os mais idosos? Não. Todas as crises são momentos de sofrimento e também muitas vezes oportunidades de mudança e de reflexão. Um dos reflexos que a pandemia trouxe, por exemplo, foi a forma como trabalhámos. O teletrabalho foi instituído e veio mudar o paradigma. As pessoas tomaram consciência de quão era má a qualidade de vida, o tempo que perdiam nas deslocações, os custos que isso acarretava e a impossibilidade que tinham de ir ao ginásio, sair mais cedo para dar um passeio, conviver ao fim da tarde com os amigos. Em algumas situações voltamos ao normal e melhoramos em certos aspectos.
Na sua intervenção pública, nomeadamente nos textos que escreve na imprensa, há sempre latente uma crítica aos políticos. Na entrevista que deu a O MIRANTE em 2008 falou da miséria humana que encontrava nas urgências e reconheceu que os políticos andavam deprimidos. A miséria humana ainda se mantém e os políticos continuam deprimidos? Já não faço urgências portanto não posso responder como gostava. As doenças psiquiátricas são sempre um reflexo das condições socioeconómicas, ou seja, quando há uma crise socioeconómica as doenças psiquiátricas aumentam inevitavelmente e isso foi patente quando vivemos o período da Troika. Nesse período foi terrível, imensas pessoas com depressões gravíssimas e nós sabemos também por outros estudos que as crises económicas estão associadas a um aumento do risco de suicídio porque as pessoas perdem as casas e o emprego. Se há agravamento social há um aumento dessa tal miséria humana.