Carlos e Suzete Martins numa luta contra o esquecimento
Assinalou-se a 21 de Setembro o Dia Mundial da Doença de Alzheimer. Este ano o lema foi “Nunca é cedo demais, nunca é tarde demais” e visa alertar para a importância da identificação dos factores de risco e a adopção de medidas proactivas para reduzir, atrasar e até prevenir o aparecimento da demência.
O MIRANTE dá a conhecer a história do casal Carlos e Suzete Martins que trava uma luta diária com a doença.
A vida de Carlos Martins deu uma reviravolta quando começou a perceber que a esposa dizia frases descontextualizadas. Em 2019 Suzete Martins, agora com 84 anos, começou a apresentar sintomas de demência. Os sinais surgiram de forma suave e foram-se agravando ao longo do tempo. Em Outubro de 2020 teve a primeira avaliação neuropsicológica e após a realização de exames médicos chegou-se ao diagnóstico de que padecia de um tipo de demência frontotemporal (DFT), neste caso uma afasia progressiva.
Apesar de não serem conhecidos casos familiares da doença cerca de 50% das pessoas com DFT tem história familiar. “As pessoas que herdam este tipo de demência apresentam frequentemente uma mutação no gene da proteína tau, no cromossoma 17, o que leva à produção de uma proteína tau anormal. Não são conhecidos outros factores de risco”, explica a Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer.
Casados há 50 anos Carlos Martins retrata a esposa como uma mulher de armas e alegre. Suzete trabalhou durante 21 anos até engravidar da filha que têm em comum. De outros casamentos o casal tem mais filhos. A partir do momento em que foi diagnosticada começou a tomar medicação. “Fazia muitas perguntas. Era uma cozinheira excepcional e fazia tudo de olhos fechados, depois começou a perguntar como cozinhava. Depois insistia em determinados assuntos e não levava as tarefas até ao fim. Os choques com a realidade começaram a aumentar”, conta o marido a O MIRANTE.
Suzete Martins já esqueceu o nome do filho e recentemente não recordou os familiares num almoço de domingo. A semana passada olhou para o marido e questionou se era mesmo ele. Com a progressão dos sintomas Carlos Martins recorreu à Santa Casa da Misericórdia de Alhandra. De segunda a sexta-feira Suzete Martins fica no centro de dia da instituição e dorme em casa. Aos fins-de-semana fica a cargo da família.
A viver em Alhandra e sem médico de família no Centro de Saúde o casal contratou um seguro e Suzete Martins é seguida pela medicina privada. “Ainda hoje tenho surpresas e penso como é possível o ser humano chegar a este estado tendo um passado como o dela. Eu chegava a casa e não me preocupava com nada, tinha sempre tudo pronto. Com a doença comecei a ficar preso e com menos liberdade. Deixei de ir a convívios com os amigos às quartas e sextas-feiras para ficar por perto”, conta.
Carlos Martins tem apoio domiciliário e empregada de limpeza. Conta com a ajuda dos filhos mas teve de aprender a cozinhar. Não vai para Lisboa. Quando quer passar o tempo durante a semana fica-se por Alverca e Vila Franca de Xira.
Cuidadores sentem-se esgotados
Todos os dias Carlos Martins levanta-se mais cedo e despacha-se. Depois levanta a esposa, leva-a à casa-de-banho e veste-a. Dá-lhe de comer e senta-a a ver televisão. Durante a semana a carrinha da Santa Casa vai buscá-la e levá-la a casa. Os fins-de-semana são mais complicados principalmente quando Suzete Martins está mais agitada. Nestas ocasiões tem de tomar medicação SOS.
“Neste momento ela já não sabe onde é a cozinha e o quarto nem para que servem. Perdeu os pudores e despe-se com facilidade. Eu falo muitas vezes com ela como se fosse normal, mas eu digo uma coisa e ela outra. Está a perder completamente os flashes”, lamenta.
Suzete Martins tem 90% de incapacidade devido à demência. A doença é progressiva e só é amenizada com medicação. Carlos Martins confessa sentir-se esgotado e enervado e por isso agendou consulta médica para transmitir o que sente. “Não acredito na cura para já. Mas sou um crente na ciência e acho que poderá haver um bom avanço no conhecimento destas doenças e no desenvolvimento de novos medicamentos”, diz o marido.
Alterações comportamentais nas demências variam
Sónia Nascimento, psicóloga e directora técnica da Santa Casa da Misericórdia de Alhandra, diz que metade dos utentes da Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas (ERPI) e Centro de Dia têm demência mesmo sem estarem diagnosticados. “Para as pessoas que moram sozinhas é difícil perceber o que se passa. Muitas vezes somos nós que detectamos quando vamos prestar cuidados ao domicílio”, diz a responsável.
As alterações comportamentais nas demências variam de pessoa para pessoa e por isso os funcionários da instituição adaptam-se a cada utente. É comum os cuidadores ficarem psicologicamente afectados e é a instituição que muitas vezes aconselha os familiares a irem de férias para descansar.