Hospital de Vila Franca de Xira ameaça processar utente por se ter queixado do serviço
Administração do Hospital de VFX considera difamatória a queixa de uma utente. Resposta do hospital está a gerar indignação entre autarcas locais com câmara a exigir uma audição imediata à administração por causa do assunto.
Quando Paula Salema apresentou uma queixa escrita à administração do Hospital de Vila Franca de Xira pelo mau funcionamento da unidade, com conhecimento para a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, estava longe de imaginar que iria ser ameaçada criminalmente pela administração liderada por Carlos Andrade Costa.
“Limitei-me a descrever o que vi naquele serviço e dos desabafos que os profissionais me transmitiram”, revela Paula Salema a O MIRANTE. A administração não gostou, considera, não desvalorizando o desagrado da utente, que a missiva continha “conteúdo difamatório agravado” e que por isso o hospital se viu obrigado “a participar criminalmente junto dos serviços do Ministério Público” a queixa, atendendo ao que diz serem “ilícitos criminais”.
Paula Salema acompanhou a mãe de 74 anos às urgências no dia 30 de Agosto, pelas 15h00, devido a um traumatismo craniano encefálico sem perda de consciência e dor lombar decorrente de uma queda. Foi-lhe dada uma pulseira verde, a menos urgente, e só saiu das urgências já passava das 22h00. O que aconteceu nesse intervalo está presente na queixa que, logo no dia a seguir, a arqueóloga de profissão remeteu à administração.
“Passo a descrever aquilo que se vive: Falta de médicos ortopedistas, de Medicina Interna, falta de auxiliares, falta de enfermeiros e falta de técnicos que emitam relatórios atempadamente”, escreveu a queixosa, acrescentando que muitos utentes estiveram várias horas sem qualquer médico dentro das salas a atender na urgência.
“Isto porque caso os dois ortopedistas que se encontram a trabalhar pro bono na Urgência tiverem de se deslocar a uma urgência no Internamento, o serviço de Ortopedia de urgência fica simplesmente sem médicos ortopedistas. Se chegar uma emergência que requeira intervenção de ortopedia como pensam os senhores solucionar o problema? Morre o doente lá de cima ou morre o de cá de baixo?”, questionou.
Paula Salema diz que um dos ortopedistas estava a trabalhar com 38 graus de febre há várias horas para permitir que o serviço não encerrasse. Além do que lhe pareceu serem falhas nas cadeias de comando, Paula Salema relatou pessoal administrativo à deriva, enfermeiros insuficientes para garantir o bom funcionamento do serviço e situações de burnout (cansaço extremo). “Ontem vi pessoas a arrancar os próprios acessos venosos porque não encontravam enfermeiros para o fazerem. Os senhores têm a noção de que o aparelho de TAC que serve a Urgência ainda funciona pior do que o anterior que lá estava? Que os médicos da Urgência têm uma severa dificuldade em ter um relatório de TAC a tempo e horas?”, questionou.
Além de com o email a utente querer relatar aquilo que viveu e presenciou no serviço de urgência do hospital, teve também a intenção de apelar a quem tenha poder de decisão para que ou resolva “de forma emergente a carência de profissionais daquele hospital ou então encerre permanentemente a Urgência pois é preferível que não funcione do que estar completamente ao abandono como está. Um idoso pode fugir do serviço que não será detectado. Eu mesma entrei e saí com mais quatro acompanhantes sem sermos barrados ou questionados. Pode entrar ali um bandido armado e matar todos aqueles que conseguir que não há ninguém que consiga impedir porque não há gente em número suficiente”, escreveu.
A O MIRANTE, Paula Salema considera a resposta dada pelo hospital gerido por Carlos Andrade Costa como sendo “arrogante e tirânica” e pouco aceitável num estado de direito e de liberdade de expressão. “Relatei o que vi. Na altura nem soube se me devia sentar a chorar com os profissionais, porque só me apetecia abraçá-los, o que vi foi que não podem dar mais”, lamenta.
O MIRANTE questionou a administração do hospital sobre este assunto, perguntando se a partir deste momento qualquer queixa de utentes será considerada difamatória e alvo de actuação criminal. Também perguntámos quantas queixas de utentes a administração actual já enviou para o Ministério Público mas a gestão de Carlos Andrade Costa preferiu ficar em silêncio.
Autarcas exigem audição ao gestor
A resposta da administração de Carlos Andrade Costa à utente não caiu bem no poder autárquico, O MIRANTE sabe que o vereador David Pato Ferreira da Coligação Nova Geração (PSD/PPM/MPT) vai apresentar em reunião de câmara, já depois da data de fecho desta edição, uma proposta para que a autarquia exija uma audição imediata à administração para esclarecer o caso. Depois de, também ele, se mostrar chocado com a situação. “O que vemos é uma administração pública não disponível para ser criticada, confrontada ou escrutinada pelos utentes e isso não nos agrada”, avisa o autarca. O MIRANTE irá voltar ao assunto na sua próxima edição.