Sociedade | 18-10-2023 07:00

Semear Afetos combate a solidão na freguesia de Abrã

Semear Afetos combate a solidão na freguesia de Abrã
Maria Adélia Frazão e a amiga Maria Armanda da Cruz são utentes do Centro Social e Paroquial de Santa Margarida

A taxa de suicídios na freguesia de Abrã, concelho de Santarém, era mais elevada do que a média nacional.

Em 2020 nasceu o Semear Afetos que dá apoio a idosos e mantém-nos ocupados durante o dia com diversas actividades. O projecto ajuda a combater a solidão e os mais velhos dizem sentir-se em casa e felizes por não estarem sozinhos durante o dia. O Centro Social e Paroquial de Santa Margarida, onde funciona o Semear Afetos aguarda a abertura do quadro comunitário de apoio Portugal 2030 para obter financiamento para a continuidade do projecto.

O projecto Semear Afetos nasceu depois da directora técnica do Centro Social e Paroquial de Santa Margarida, em Abrã, concelho de Santarém, e as suas funcionárias se aperceberem que havia relatos de vários suicídios entre idosos no concelho. Segundo a directora técnica, Nancy Martins, a taxa de suicídio sénior na freguesia era muito superior à média nacional. O ponto de viragem aconteceu quando souberam que um idoso, cansado de dar trabalho aos filhos, vestiu o seu melhor fato, engraxou os sapatos e enforcou-se porque considerava que já tinha dado tudo o que poderia dar na vida.
“Este foi um caso que mexeu muito connosco e como os nossos idosos vivem muito isolados e não há uma boa rede de transportes públicos nesta zona. Que quando precisavam de ir à farmácia tinham que chamar um táxi e ou tinham dinheiro para o transporte ou para os medicamentos”, explica Nancy Martins. A directora técnica do Centro Social e Paroquial de Santa Margarida, onde funciona o projecto Semear Afetos, recorda que só tinham respostas sociais para crianças. Todos os dias lidavam com cerca 120 crianças.
A instituição nasceu em 2011 pela mão do empresário Joaquim Louro, natural de Amiais de Cima, que faleceu em 2014. O benemérito construiu uma creche para apoiar os colaboradores da empresa. Em 2014 a instituição venceu o prémio “Todos por um bairro melhor”, da Revista Visão”, que possibilitou comprar a primeira carrinha. As funcionárias começaram a ir com os idosos ao centro de saúde e supermercado sempre que precisavam.
Em 2015 fizeram uma candidatura ao BPI Sénior tendo vencido o prémio “A Voz dos Afetos”, onde juntavam diariamente os idosos, que iam buscar a casa, para passarem as tardes com as crianças que frequentavam o infantário. “Foi um projecto muito produtivo. Os mais velhos divertiam-se muito com os pequenos. Tivemos um idoso que sofria de Alzheimer e nunca sorria, mas sempre que estava com as crianças passava o tempo a rir. Foi muito enriquecedor”, considera Nancy Martins.
Durante o Portugal 2020 a IPSS candidatou-se a financiamento europeu para o projecto Semear Afetos. Tiveram a confirmação da aprovação da candidatura duas semanas antes do confinamento causado pela Covid-19 mas nem isso os fez baixar os braços. Com a ajuda de dezenas de voluntários criaram cerca de quatro mil máscaras comunitárias que ofereceram às IPSS do distrito de Santarém. Ultrapassada a pandemia continuam com o projecto. Os idosos passam o dia na instituição e têm aulas de ginástica, ateliê de estimulação cognitiva, ateliê de destreza manual, entre outras actividades que mantêm os idosos ocupados e animados. A directora técnica refere que o número de suicídios diminuiu com este projecto.
O financiamento terminou em Junho deste ano. Nancy Martins diz que a IPSS está à espera que abram candidaturas ao Portugal 2030 para darem continuidade ao projecto de apoiar os mais velhos. A Câmara de Santarém, a Fundação Cruz Marques e a Junta de Freguesia de Abrã são os principais financiadores e têm parcerias com empresas da região. O Centro Social e Paroquial de Santa Margarida também se candidatou a um projecto da Fundação Gulbenkian que lhes permitiu alargar o Semear Afetos a 14 instituições do concelho. Ao todo apoiam 139 idosos, mais do que estavam à espera.

O projecto Semear afectos funciona como um remédio para a solidão em Abrã

“Sentimo-nos mais felizes e não estamos sozinhos”

No domingo, 1 de Outubro, em que se assinalou o Dia Internacional do Idoso, o Centro Social e Paroquial de Santa Margarida organizou um lanche-convívio com os idosos das 14 instituições do concelho de Santarém a quem dão apoio. Maria Adélia Frazão, de 92 anos, natural de Amiais de Cima, é a boa disposição em pessoa. Está na instituição há mais de três anos e garante gostar de fazer tudo, como ginástica, cozinhar e ajudar. “Sinto-me feliz e não me sinto sozinha. Somos todos amigos e vamos lá também para colocar a conversa em dia”, afirma a antiga doméstica, que tem três filhos, seis netos e seis bisnetos, enquanto solta uma gargalhada.
A seu lado na mesa tem a amiga Maria Armanda da Cruz, de 75 anos, que confessa, com boa disposição, que Adélia é que tem 92 anos mas é ela quem tem que andar com uma bengala para se apoiar. Durante muitos anos vendeu sapatos com o marido. Primeiro nas feiras e depois nas três lojas que possuiu. Há cerca de nove anos ficou viúva e, apesar de ter sempre muito que fazer em casa, não dispensa ir à instituição para estar com as amigas. “Aqui estou acompanhada, foi a melhor decisão que tomei. É como se fossemos todas irmãs e preocupamo-nos quando alguma não aparece”, refere. Armanda da Cruz não dispensa a máquina de costura onde passa os dias a trabalhar, “em máxima concentração”, como confessa a amiga Adélia.
Nancy Martins explica que reaproveitam materiais das empresas com quem trabalham, como excedentes de têxteis que usam no ateliê de costura criativa. Semear Afectos é uma marca registada cujos produtos são vendidos na Internet e em algumas lojas para angariar dinheiro. Maria Cristina Inácio, de 47 anos, é voluntária no Semear Afetos. Costureira de profissão é a professora do ateliê de costura criativa. “Os nossos ‘alunos’ aderem muito bem e gostam de aprender técnicas novas. O que não falta neste projecto é mesmo o afecto, muitas vezes basta um abraço, ou uma mão a deslizar suavemente pelo rosto para deixarmos os nossos idosos felizes. Eles gostam tanto de mimos e é o melhor que lhes podemos dar”, afirma Maria Cristina.
Otília Carreira tem 63 anos e começou por ser voluntária do Semear Afetos mas entretanto, como se reformou por invalidez, passou a trabalhar na instituição e a dar apoio no Semear Afetos. Faz renda, costura, ginástica e ajuda os idosos em tudo o que precisam. Tornou-se voluntária para não estar sozinha em casa uma vez que o seu marido trabalha e não está em casa durante o dia.

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