Animais que restam na Herdade da Torre Bela podem ficar sem alimentação a curto prazo
Javalis, gamos e veados que não foram abatidos na caçada conhecida como “o massacre da Torre Bela” vivem confinados numa zona da herdade murada, localizada no concelho de Azambuja. A população está a aumentar e poderá não haver alimento para todos. ICNF diz que já foi autorizada a correção de densidade.
Enquanto a preparação para a instalação dos mais de 600 mil painéis fotovoltaicos na Herdade da Torre Bela, no concelho de Azambuja, decorre a bom ritmo, o que resta das espécies cinegéticas, nomeadamente javalis, veados e gamos, depois da matança de 540 animais ocorrida há quase três anos, está em risco de desaparecer por falta de alimento. O alerta foi deixado na última reunião do executivo municipal de Azambuja pelo presidente daquela autarquia, Silvino Lúcio, que diz estar preocupado e já ter informado o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro.
Segundo o autarca socialista, os animais que sobreviveram à caçada de Dezembro de 2020 - que decorreu num período em que já se tinham realizado outras com vista à redução do número de animais para a instalação dos painéis fotovoltaicos - têm-se reproduzido e “começam a ser muitos”. O problema, refere, é que “estão contidos numa faixa territorial muito pequena e correm o risco de deixar de ter alimentação”.
Questionado por O MIRANTE, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) refere que já foi autorizada a correção de densidade a javalis ou a qualquer outra espécie cinegética e que essas acções podem ser “realizadas sempre que do ponto de vista técnico assim se justifique, mediante pedido da entidade gestora da Zona de Caça em questão e posterior autorização” por parte do ICNF. No entanto este Instituto diz desconhecer que esteja a haver falta de alimento devido ao aumento do número de espécies. “Apenas após tal informação ser entregue será possível apurar a necessidade de eventuais medidas a tomar”, afirma, acrescentando que não está previsto que a solução passe pela captura e relocalização de animais.
Salientando que tem havido contactos regulares com a entidade gestora, o ICNF refere ainda que está em análise o novo Plano de Ordenamento e Exploração Cinegética da zona de caça e que foi solicitado à entidade gestora da Zona de Caça a apresentação de censos atualizados das principais espécies cinegéticas a explorar.
A permanência destes animais na Herdade da Torre Bela, a maior área de terra agrícola murada de Portugal, com 1.700 hectares, estava prevista no Estudo de Impacte Ambiental, onde se lê que passariam “para zona localizada a nascente, devidamente vedada”, onde seria mantido intacto o seu habitat. No entanto, com a reprodução das espécies existentes ao longo de quase três anos e pelo facto de se manter a suspensão da actividade cinegética na Zona de Caça da Torre Bela, medida tomada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o habitat que lhes foi reservado estará a tornar-se insuficiente. “Como a caça está suspensa ficaram suspensos abates para controlo das espécies”, sublinhou Silvino Lúcio.
Investigação no segredo dos deuses
Sobre o andamento da investigação ao massacre dos 540 veados e javalis, a cargo do Ministério Público de Alenquer, o autarca, em resposta à vereadora do Chega, Inês Louro, disse que também questionou o ministro do Ambiente e que o mesmo referiu que “está a ser analisado”. Até ao momento não são conhecidos arguidos no processo, no entanto, recorde-se, em 2022 um homem foi detido pela Guarda Nacional Republicana (GNR) por posse de munições proibidas, numa operação relacionada com o abate dos animais na Herdade da Torre Bela. O MIRANTE questionou o Ministério do Ambiente e o ICNF acerca do curso da investigação e da alegada falta de condições para a fauna existente na herdade, mas não obtivemos resposta até ao fecho desta edição.
Em 24 de Dezembro de 2020, dias depois do abate dos 540 animais, a Herdade da Torre Bela descartou qualquer responsabilidade no sucedido repudiando a forma “ilegítima” como decorreu uma montaria na sua propriedade e anunciou que ponderava recorrer à justiça para ser ressarcida dos prejuízos causados. A caçada chocou o país por ter decorrido num terreno completamente murado não dando escapatória possível aos animais e pela forma como o grupo de caçadores se vangloriou do feito divulgando fotografias nas redes sociais que foram apagadas nos dias seguintes.