Ex-funcionária da Misericórdia de Alverca com pena suspensa por desfalque de 100 mil euros
Tribunal de Vila Franca de Xira deu como provados crimes de abuso de confiança agravado e infidelidade e foi sensível ao facto de a arguida ter confessado a autoria dos factos. Justiça deu também provimento ao pedido de restituição total do valor movimentado: 95.934 euros acrescidos de juros.
A mulher natural de Alhos Vedros, concelho da Moita, ex-funcionária da Associação de Assistência e Beneficência Misericórdia de Alverca, suspeita de ter praticado um desfalque na instituição a rondar os 100 mil euros, foi condenada este mês a dois anos de prisão com pena suspensa e a restituir à associação 95.934 euros acrescidos de juros.
O acórdão refere que o tribunal deu como provados os factos da acusação do Ministério Público (MP), nomeadamente, os crimes de abuso de confiança agravado e de infidelidade. A juíza que julgou o caso teve em consideração a confissão da arguida, a prova documental recolhida e os testemunhos apresentados, que confirmaram a confiança que os dirigentes colocavam na funcionária. “Toda esta situação apanhou a instituição de surpresa e isso repercutiu-se nas dificuldades financeiras da instituição”, lê-se no documento.
A magistrada notou que a arguida pode sempre recorrer da decisão mas lembrou que toda a situação teve um preço muito elevado na vida da ex-funcionária e que a recuperação de tudo o que aconteceu será, só por si, um processo difícil.
O caso deveria ser julgado por um colectivo de juízes mas o procurador do MP considerou que, dado o tempo decorrido desde a prática dos factos e por a mulher não ter antecedentes criminais, a pena máxima de prisão eventualmente a aplicar pelo Tribunal de Vila Franca de Xira, que seria de cinco anos, era suficiente para a natureza dos crimes praticados.
Fazia contratos à revelia da direcção
Segundo a acusação, a mulher foi contratada a 12 de Abril de 1999 pela Misericórdia de Alverca como administrativa. A 5 de Abril de 2002 passou a exercer as funções de caixa da associação ficando responsável pela área administrativa e financeira daquela instituição, que tem um centro de dia, dois lares e um serviço de apoio domiciliário na cidade.
Era a arguida que procedia às operações bancárias destinadas a pagar a funcionários, fornecedores e Estado tendo-lhe sido confiados os cartões, acesso ao homebanking e o telemóvel para onde eram enviadas as mensagens de confirmação de operações. À revelia da direcção, terá realizado transferências avultadas para dez empresas de publicidade de todo o país que promoviam anúncios online para a instituição tendo celebrado contratos com essas firmas assinando e usando o carimbo da instituição. Ao todo transferiu 31.229 euros em 2018 e 64.704 euros em 2019 para essas dez empresas.
Diz o MP que, por causa da celebração desses contratos, a Misericórdia de Alverca ficou em Julho de 2019 sem capacidade de cumprir com as suas obrigações financeiras, nomeadamente o pagamento da renda do lar de Nossa Senhora da Graça, no valor de 2.500 euros, onde estavam 21 utentes instalados. Foi nessa altura, com as contas da associação com pouco mais de mil euros disponíveis, que o desfalque foi descoberto. Diz a acusação que as operações com as empresas de publicidade nunca figuraram na lista de fornecedores nem no mapa de contas correntes da Misericórdia de Alverca.
A instituição fez uma participação à Polícia Judiciária que, após perícias, entendeu que havia matéria de facto relevante para submeter o caso ao Ministério Público. A funcionária foi alvo de um processo disciplinar interno e despedida a 4 de Outubro de 2019. Na primeira vez que foi ouvida, pela PSP, a arguida não quis prestar declarações e não se opôs a uma eventual desistência da queixa por parte da associação. Também não quis informar sobre as suas condições sócio-económicas. Já o advogado da instituição, no pedido de indemnização cível, não mostra grandes dúvidas: os contratos com as firmas foram feitos sem enquadramento ou justificação sendo que a arguida nunca explicou a razão para os ter feito.
“Arrogou-se de poderes que não tinha perante terceiros, usando a imagem da ofendida, para contratar publicidade quando a ofendida não carecia de qualquer tipo de publicidade”, lê-se no pedido cível, notando que a conduta da ex-trabalhadora provocou danos “muitíssimo elevados e graves” à Misericórdia de Alverca colocando em causa a sua recuperação económica e sustentabilidade financeira, “com um desfalque de quase 100 mil euros”.