Ser gago não define ninguém e não pode ser motivo de piada fácil
Bruno Fortes é gago, uma condição que entende como atributo e não como defeito ou problema. Aprendeu estratégias e a não deixar que fosse uma limitação.
A terapeuta da fala, Rosa Vieira explica que as pessoas com gaguez precisam ser acolhidas pelos outros, que não devem, por boa vontade ou impaciência, terminar-lhes as palavras. A propósito do Dia Internacional de Consciencialização para a Gaguez, assinalado a 22 de Outubro, a terapeuta pede mais tratamento para uma perturbação da fala que afecta 100 mil pessoas em Portugal.
Os primeiros sintomas de gaguez apareceram na vida de Bruno Fortes quando tinha seis anos e aos 14 a perturbação na comunicação agravou-se fazendo com que começasse a morder a língua provocando-lhe dor. Desde o primeiro ano de escola que era apontado como falador e a gaguez sempre foi uma condição que tinha dificuldade em aceitar. “A maior discriminação que sentia era comigo por ser gago, nunca foi um problema com os outros”, revela, explicando que não se sentia vítima de bullying por parte dos amigos, que até o protegiam.
Foi seguido em terapia da fala e, com o passar dos anos, aprendeu a lidar com a condição que afecta 100 mil portugueses e 68 milhões de pessoas no mundo. Encontrou estratégias e treinou-as para disfarçar e chegar mais depressa à palavra que queria dizer com as letras todas, sem os típicos bloqueios e prolongamentos de sons. Uma passa por recorrer a palavras com sons semelhantes para chegar à que efectivamente quer dizer, mas nem sempre funciona sobretudo quando está mais ansioso.
Rosa Vieira, terapeuta da fala na Pure Clinic, no Entroncamento, explica a O MIRANTE que é importante o acompanhamento precoce em terapia da fala para que, precisamente, sejam trabalhadas as “estratégias para que quando esse bloqueio acontecer não seja confrangedor e não se prolongue no tempo”. A estratégia usada por Bruno Fortes é aquilo a que chama “congelar o pensamento” para se abstrair daquela dificuldade e desbloquear. Na ausência de uma, salienta, a pessoa vai continuar bloqueada e “pode até piorar a gaguez”.
A gaguez é, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, uma alteração no ritmo da fala, na qual o indivíduo sabe precisamente o que deseja dizer, mas, por outro lado, é incapaz de o fazer devido a movimentos involuntários da face e do corpo. Manifesta-se geralmente entre os dois e os três anos podendo surgir até ao início da adolescência. Maioritariamente de origem genética pode provocar uma redução da auto-estima.
“Há casos em que é possível atenuar, mas nem sempre porque há estereotipias – movimentos motores repetitivos - que não conseguimos reverter”, além da possibilidade de “haver questões genéticas e clínicas” a dificultar a progressão. “Mas é sempre possível atenuar o constrangimento”, diz a terapeuta, acrescentando que há, por outro lado, um tipo de gaguez, “não tão recorrente”, que surge em idade adulta e que está associado a alguma fobia social ou medo de falar em público, ou seja, mais associada ao sistema nervoso central.
No caso de Bruno Fortes a terapeuta que o acompanhou disse-lhe que a sua gaguez podia ser genética, embora não tenha familiares com dificuldades na fala. Numa tentativa de aprender a lidar melhor com a condição o jovem do Cartaxo também fez terapia com psicólogos mas, assegura, a melhor delas foi ter ingressado no curso de Gestão Equina na escola profissional em Mouriscas, concelho de Abrantes, onde conheceu a namorada Sara Casais e, inclusive, deu formação aos novos alunos. “A melhor recuperação que podia ter tido foi ter ido para um curso que gostava longe de casa. Tive de aprender a desenrascar-me”, conta, acrescentando: “Para arranjar namorada a gaguez não me atrapalhou. Se a pessoa me conhecer, ser gago é apenas um atributo, não é nenhum defeito, nem nenhuma deficiência ou problema. Se evitarmos o diálogo vai ser pior”.
Terminar as palavras de uma pessoa gaga é diminuir-lhe a auto-estima
Acostumado com a sua alteração no ritmo da fala Bruno Fortes afirma que nunca se incomodou quando os amigos lhe terminavam as frases e conta que quando ia ao restaurante acabava até por lhes pedir que fossem eles a fazer o seu pedido. Mas a sua postura é geralmente esta: “quem quiser ouvir tem de esperar” e “em geral esperam”. E esperar, sublinha Rosa Vieira, é o correcto a fazer. “Deve ser feita uma espera estruturada, deixar que a pessoa conclua o seu raciocínio”.
Pelo contrário, terminar as frases “é algo que até se pode fazer inocentemente e com intuito de ajudar, mas que está a prejudicar a pessoa” que pode sentir que o outro não tem paciência para o ouvir. Sentimentos e percepções que podem levar a que a pessoa com gaguez opte pelo “isolamento e retracção”, por “saber que o outro não vai estar receptivo e paciente para conversar” com alguém que demora mais a dizer as palavras.
Na opinião da terapeuta Rosa Vieira, o caminho a percorrer contra o preconceito ainda é longo, já que a gaguez se mantém associada ao gozo, à piada fácil. “Muitas vezes está associada a questões sentimentais, emocionais e há quem faça disso motivo de gozo. Ao ser gozada a pessoa retrai-se porque sabe que se falar vai ser motivo de chacota sobretudo em idade mais precoce”. Para desmistificar, tratar, ensinar o outro a lidar falta “a sociedade estar mais predisposta a acolher com paciência estes indivíduos”. Do lado do Governo, através do Ministério da Saúde e do da Educação, defende, falta valorizar mais o trabalho do terapeuta da fala. “A resposta é muito escassa, não faz face às necessidades” e nas escolas devia ser feito trabalho com quem está no meio para que eduquem as crianças a não excluir quem sofre de gaguez.