Ser dona de casa no século do empoderamento feminino
Ser doméstica há muito que deixou de estar na moda numa sociedade onde a mulher procura o êxito na sua carreira e a autonomia financeira. Diva Silva contrariou a tendência e fez do lar o seu local de trabalho, por amor à família. Defende a liberdade de escolha e lamenta que as donas de casa não sejam valorizadas. Pedir dinheiro ao marido ou aos filhos é o que mais lhe custa.
Quando há nove anos Diva Silva tomou a decisão de ser dona de casa ainda não sabia o quanto lhe ia custar deixar de ter algumas liberdades, como a financeira. Fê-lo a pensar no bem da família e no que o companheiro, a filha e o filho precisavam para vingar nas suas carreiras. “Foi quase por obrigação. Começaram a ver que havia necessidade de terem apoio em casa, para as refeições, fardas lavadas, tratar da papelada... E trabalhar e tomar conta de tudo isso é quase impossível”. Não há, desde então, como descrever os seus dias sem se entrar numa espiral descritiva de afazeres domésticos, que tornam os seus dias solitários e repetitivos: “Pôr máquinas a lavar roupa, a loiça, fazer camas, tratar dos animais, estender, limpar o pó, o chão, fazer almoço, tratar das galinhas, arrumar o que está desarrumado, fazer jantar. É isto todos os dias”.
Um trabalho que é invisível, não reconhecido aos olhos da sociedade e que na opinião de Diva Silva em nada encaixa com a visão romantizada da feliz fada do lar. “É um pau de dois bicos. Somos criticadas por uns porque estamos em casa e acham que somos umas rainhas que levam uma vida cinco estrelas; para outros somos umas coitadinhas, sem valor para a sociedade”. No fundo é como se não encaixassem numa sociedade onde a mulher tem procurado cada vez mais o seu reconhecimento no mercado de trabalho, a valorização da sua carreira e a ascensão a cargos de liderança. Numa sociedade onde “a mulher não pertence à casa”.
Sem julgar as escolhas de cada mulher - e esperando que não julguem a sua -, Diva Silva considera que essa mesma sociedade não está inteiramente preparada para essa “independência, liberdade e direitos iguais aos dos homens”. Isto porque, explica, “as tarefas domésticas continuam lamentavelmente às costas das mulheres” e ao quererem a carreira de sucesso, a independência financeira, “criaram um problema” para si próprias. Continua a haver, prossegue, uma falta de noção do que custa realizar o trabalho doméstico. “No início, quando dizia ao meu companheiro que estava cansada ele perguntava-me porquê uma vez que tinha estado o dia todo em casa”, exemplifica.
Diva Silva, 53 anos, natural e residente em Santo Estêvão, concelho de Benavente, começou a trabalhar aos 14 na restauração, área onde se manteve até se divorciar do pai dos seus filhos. “Não dava mais” para trabalhar aos fins-de-semana e feriados sem ter quem tomasse conta das crianças. Então mudou. Trabalhou no campo, na junta de freguesia, fez limpezas em casas e assim foi até se tornar doméstica, escolha que está cada vez mais em desuso. “No fundo estamos a desaparecer. No futuro não vai haver quem queira ficar em casa, a fazer as lides”. A afirmação bate certo com os dados estatísticos da Pordata e do Instituto Nacional de Estatística que mostram que em 1980 as domésticas eram mais de um milhão e, em 2019, cerca de 354 mil, mantendo-se uma consecutiva queda de ano para ano.
A falta de agradecimento e o ter que pedir dinheiro
Fazer-se dona de casa tornou mais leve a vida da sua família, mas não a sua. “O trabalho em casa é duro, ingrato, não remunerado de maneira alguma” e “o psicológico é a parte mais difícil para as mulheres porque se sentem sozinhas, não recebem um agradecimento pelo trabalho que fazem, não ouvem um obrigada e isso acontece na maior parte dos casos, não falo só por mim”. Sublinha que “isso dos maridos dizerem obrigada” por terem o jantar na mesa e a casa arrumada pelas esposas “é só mesmo nos filmes” ou, quando muito, num número muito reduzido de lares.
Além da solidão e falta de reconhecimento a parte financeira pode também representar desconforto para algumas donas de casa. “Não é fácil estarmos a depender financeiramente dos outros, não temos à vontade. No meu caso até me sinto envergonhada por pedir [dinheiro]”. Na casa de Diva nunca se falou em acordar um valor para remunerar as tarefas que desempenha, o dinheiro que lhe vai parar às mãos, explica, é o estabelecido pelo trio que trabalha fora para pagar as contas fixas e as despesas de supermercado.
“Não é dinheiro para mim, tenho de o gerir e muitas vezes não chega”, diz Diva Silva, acrescentando que quando precisa de algum dinheiro para uma despesa sua, como comprar um casaco novo ou ir ao cabeleireiro, tem de pedir. “Psicologicamente, o pedir custa-me muito. Fico com um sentimento de culpa de estar a tirar a eles para eu ter”. A sua recompensa, aquela da qual se sente merecedora, são as férias. “Aí faço questão de não fazer tarefas nenhumas, nem a cama faço sequer”, remata.