Sociedade | 22-11-2023 12:00

Companheiros da Noite em risco de extinção por falta de voluntários

Companheiros da Noite em risco de extinção por falta de voluntários
Associação da Póvoa de Santa Iria apoiava pessoas sem abrigo do concelho dando-lhes comida e roupa

Duas centenas de sócios de Os Companheiros da Noite, da Póvoa de Santa Iria, exigem esclarecimentos sobre o património da associação de solidariedade social, que incluía duas carrinhas, material de cozinha e quase 20 mil euros em contas bancárias. Presidente do conselho fiscal dá explicações a O MIRANTE e diz que os dirigentes vão propor a extinção da associação no próximo ano.

Vários sócios da associação Os Companheiros da Noite da Póvoa de Santa Iria, que dava apoio a famílias carenciadas e sem-abrigo, estão preocupados com o património que a organização tinha e queixam-se de não saber onde param quase 20 mil euros que estavam no banco. Isto além do restante património, onde se incluem duas carrinhas e algum material de cozinha. A associação, que chegou a receber vários apoios financeiros públicos da Câmara de Vila Franca de Xira e ainda hoje ocupa um espaço cedido pelo município no centro da Póvoa de Santa Iria, “desapareceu do mapa”, dizem, desde que a nova direcção, liderada por Telmo Domingos, tomou posse a 3 de Junho de 2022.
O presidente do conselho fiscal, Vítor Domingos, contactado por O MIRANTE, garante que o dinheiro que a associação tem no banco está disponível. “O que havia ou foi para despesas correntes ou está lá”, nota. Já as duas carrinhas da associação estavam “de tal modo degradadas e estragadas que o seu conserto ficava mais caro do que comprar novas”. Por esse motivo, diz, dois antigos dirigentes da associação propuseram-se comprar as viaturas como sucata e esta já não as tem em sua posse.
Depois de a anterior direcção ter extinto a actividade da associação por falta de voluntários os actuais corpos sociais admitem vir a marcar no próximo ano uma assembleia para propor a extinção formal da associação e comunicar essa decisão à câmara municipal. “É o que vai ter de acontecer. Compreendo a preocupação dos sócios mas quando percebemos que não há voluntários é difícil. Pensámos fazer uma cantina comunitária onde as pessoas poderiam comer a preços baratos ou até gratuitamente. Tínhamos o projecto mas face à falta de voluntários não conseguimos avançar”, lamenta Vítor Domingos.
Anteriores dirigentes, contactados pelo nosso jornal, garantem que as contas estavam em dia até à data em que foram eleitos os novos corpos sociais. No entanto, apurou o nosso jornal, apesar de haver actas da tomada de posse de 3 de Junho de 2022, o nome da anterior presidente, Sara Simão, ainda não foi alterado nas Finanças, passado mais de um ano de actividade dos novos corpos gerentes.
“Estamos desde a tomada de posse sem ter assembleias convocadas, nunca mais disseram nada, os sócios não sabem nada do que se passa. Os Companheiros da Noite estão num vazio completo e com muito património; muito desse dinheiro dado pela comunidade, pela câmara municipal, junta de freguesia e empresas da zona. Esta direcção tem de prestar contas rapidamente”, apela um sócio, que não se identificou com medo de represálias.
A presidente da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, Ana Cristina Pereira, também partilha das preocupações e diz-se ansiosa com a situação confirmando já ter recebido manifestações de preocupação sobre o assunto por parte da comunidade. A autarca diz ser urgente os dirigentes prestarem contas aos sócios e à comunidade, mais que não seja porque estão a ocupar um espaço municipal “sem uso” e que está a fazer falta ao restante movimento associativo.

Extinção à vista
O MIRANTE contactou o presidente da associação, Telmo Domingos, que está a recuperar de um acidente de viação e remeteu esclarecimentos para o presidente do conselho fiscal, Vítor Domingos, que confirma que a associação tem estado sem actividades porque, além dos corpos gerentes, não há mais voluntários para ajudar.
“Ainda tentámos criar alguns eventos conjuntos para dinamizar a associação mas não apareceu ninguém e só nós não conseguimos”, lamenta Vítor Domingos a O MIRANTE. O dirigente reconhece que ainda não foi feita a assembleia que já devia ter sido marcada para prestar contas à comunidade e aos sócios, mas que tal se deve à falta de ajuda. “Depois de tomarmos posse demos com um armazém onde mais de metade do que lá estava teve que ser deitada fora por estar cheia de ninhos de baratas e comida estragada. Uma parte do que havia de roupas e brinquedos demos ao centro de refugiados da Bobadela (Loures) que estava a precisar de ajuda”, explica.

À margem - Opinião

À espera do golpe de misericórdia

Os Companheiros da Noite estão desde 2020 em morte lenta. Primeiro quando a então presidente Alice Fael, que se demitiu em Novembro desse ano, foi notícia por ter tirado seis mil euros da colectividade para usar em benefício próprio. Dinheiro que acabou por devolver na totalidade em prestações. Para salvar a colectividade e evitar que caísse num vazio directivo entrou uma outra direcção, jovem, liderada por Sara Simão, que expressou em entrevista a O MIRANTE em 2021 a sua tristeza e frustração por não encontrar dirigentes disponíveis para continuar o trabalho da associação numa das freguesias com mais moradores do concelho.
A colectividade dava apoio a uma centena de pessoas sem-abrigo e a 80 agregados familiares carenciados em todo o concelho sendo essa resposta dada hoje por outras colectividades e serviços sociais. Uma associação como esta, que deu os primeiros passos em Dezembro de 2002 através de um grupo de jovens que decidiu participar em voltas nocturnas de apoio aos sem-abrigo em Lisboa para ajudar o próximo, e que foi um exemplo da melhor cidadania que a Póvoa de Santa Iria poderia mostrar, é hoje o reflexo de uma sociedade egoísta e fechada em si mesmo urgentemente a precisar de valores morais e de comunidade.
Filipe Matias

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