Sociedade | 09-12-2023 21:00

Tribunal arrasa Porto de Lisboa no caso da morte de piloto de barra do Cartaxo

A Administração do Porto de Lisboa recorreu da decisão que a condenou a pagar indemnizações e pensões à viúva e filho do piloto de barra natural do Cartaxo, Miguel Conceição, falecido num acidente de trabalho, tentando ilibar-se de algumas responsabilidades e passando algumas culpas para o falecido, como o facto de não estar em boa forma física.

Mas a Relação de Évora confirma a decisão do Tribunal de Santarém que aponta para falhas graves da APL em termos de segurança e formação, que contribuíram para o acidente ocorrido há mais de cinco anos.

Os juízes do Tribunal da Relação de Évora arrasam o recurso da Administração do Porto de Lisboa (APL) no caso da morte do piloto da barra natural do Cartaxo, em 2018, em que tenta ilibar-se de algumas falhas e passar responsabilidades para o falecido Miguel Conceição. A entidade portuária tentou livrar-se de algumas indemnizações a que foi condenada no Tribunal de Santarém, ou baixar os valores das pensões que terá de pagar à viúva e ao filho. Mas o tribunal superior não teve em conta qualquer argumento da APL, mantendo que o acidente se deveu à grave falta de segurança e de formação responsabilidade da entidade.
A APL descarta responsabilidades em relação aos equipamentos de salvamento não serem os adequados. Conclui-se que o “cabo da talha do turco” a bordo da lancha, para içar quem caia ao mar, não tinha altura suficiente, mas a entidade diz que se devia perceber se havia mesmo uma falha no tamanho do cabo ou se tal se devia a outro factor relacionado com a acção do marinheiro que estava na lancha. Também não concorda que houve uma violação da obrigação de fornecer meios e equipamentos de trabalho adequados, argumentando que é imprescindível demonstrar que existem outros mais adequados. Mas os juízes reafirmam que o cabo não era utilizável por estar ressequido o que tornou o seu alcance menor e sublinha que facto de o sinistrado não ter roupa impermeável levou-o a ter menos resistência ao frio da água do mar.
O Porto de Lisboa considera que se devia apurar a condição física do piloto, imprescindível para o apuramento das causas do acidente, salientando que é necessário ter uma boa forma física para o serviço. Mas o tribunal relembra que apesar de o sinistrado ter sido considerado obeso, foi a própria Administração do Porto de Lisboa que o considerou apto ao desempenho das funções. Os juízes confirmam o já decidido na primeira instância, de que o falecido não sabia que o seu casaco tinha uma alça de recuperação lateral, onde poderia prender o cabo enquanto ainda estava consciente. Miguel Conceição ficou agarrado à embarcação até não ter forças e ficar inconsciente.
A ré tentou ainda passar as culpas para o piloto, dizendo que este saltou do navio que tinha auxiliado a sair do porto para a lancha de piloto antes de ter recebido a indicação do marinheiro. Considera que Miguel Conceição violou as regras da operação de desembarque, acrescentando que não vê ligação entre as consequências do acidente e o incumprimento do dever de ministrar formação profissional. Mas o tribunal é taxativo: “se a APL tivesse dado formação ao sinistrado sobre situações de emergência de ‘homem ao mar’ e formação e informação de sobrevivência em água fria, Miguel Conceição estaria mais bem preparado para resistir à situação” e teria um período maior para ajudar a ser resgatado, o que contribuiu para o desfecho. O acórdão da Relação aponta que a ré, ao não ter regulamentação que restringisse a operacionalidade no porto de Lisboa em situações de más condições de tempo e mar, não estava a proteger a segurança dos seus pilotos.

O que aconteceu na madrugada do acidente

O acidente que vitimou Miguel Conceição aconteceu na madrugada de 28 de Fevereiro de 2018 na baía de Cascais. O piloto da barra, com 45 anos, tinha conduzido as operações de saída do navio Singapore Express do terminal de contentores de Alcântara e desembarcava para a lancha de pilotos que o foi buscar, quando se deu o acidente. O relatório da investigação diz que o piloto perdeu o apoio dos pés e de uma das mãos e que ficou “suspenso apenas por uma mão enquanto efectuava a transferência da escada do piloto do navio Singapore Express para a lancha Torre de Belém”. Caiu ao mar e o seu resgate demorou 01h41, tendo sido retirado do mar já sem vida.
O Gabinete de Investigação de Acidentes Marítimos aponta falhas técnicas e de formação por parte da Administração do Porto de Lisboa, salientando que os tripulantes da lancha de pilotos não tinham qualquer treino para recolha de náufragos. “O facto de não existirem procedimentos de emergência poderá ter agravado a demora na recuperação do piloto da água, ainda consciente”, refere o relatório a que O MIRANTE teve acesso. O número de tripulantes do salva vidas que entretanto foi accionado para ajudar a retirar o náufrago, foi considerado insuficiente pela própria tripulação. Concluiu-se ainda que a equipa de resgaste desconhecia que os coletes insufláveis dos pilotos têm uma alça para recuperação.

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