Presidente da Anacom lamenta não ter conseguido inverter degradação do serviço postal
João Cadete de Matos assume que não foi possível fazer tudo aquilo a que se propôs durante o seu mandato de mais de seis anos à frente da Autoridade Nacional de Comunicações. As boas notícias no sector das telecomunicações não tiveram paralelo no que toca ao serviço dos Correios, admite o presidente cessante da Anacom, que tem raízes em Abrantes e Mação.
O presidente da Autoridade Nacional de Comunicações, que cumpre esta quinta-feira, 14 de Dezembro, o último dia no cargo, lamenta não ter conseguido inverter "a degradação da qualidade" do serviço dos CTT e defende a necessidade do Estado ter uma participação na empresa. Questionado pela agência Lusa sobre o que ficou por fazer, João Cadete de Matos refere que "não foi possível fazer tudo aquilo que era a ambição" do mandato, que foi de seis anos e quatro meses. "Diria que olhando para trás, sem dúvida, uma das áreas em que" a Anacom "não conseguiu inverter (...) foi a degradação da qualidade de serviço dos Correios em Portugal", lamenta.
"Já estamos a ter muito boas notícias no sector das telecomunicações que nós regulamos, também como autoridade espacial há boas notícias, mas enquanto regulador do sector postal assistimos durante estes anos a uma degradação progressiva da qualidade de serviço na distribuição do correio", salienta, apontando que a Anacom recebe "praticamente todas as semanas cartas das câmaras municipais e das juntas de freguesia, queixando-se do atraso na entrega do correio". Os cidadãos "deviam receber nos prazos" as cartas importantes, de acordo com a prática que é seguida nos outros países europeus, diz.
"Claro que nós tivemos o período da pandemia em que os carteiros prestaram um serviço louvável de continuar a entregar o correio´", reconhece Cadete de Matos. No entanto, a situação degradou-se e "ainda é mais grave quanto temos ouvido da administração dos CTT pouca, poderia às vezes [dizer] quase nenhuma, disponibilidade para corrigir a situação", prossegue, salientando que muitas vezes invocaram que os critérios de qualidade eram muito exigentes, mas estes eram o que já estavam em vigor há anos.
"Temos assistido da administração dos CTT, dos responsáveis dos CTT a uma preocupação em corrigir esta situação (...) invocam a dificuldade em contratar carteiros, mas aquilo que nós verificamos, e os sindicatos queixam-se disso, é que as condições remuneratórias também não são atractivas", aponta.
Além disso, "verificamos que a empresa tem sido lucrativa ao longo dos anos e, portanto, não há razão para que uma empresa lucrativa e, de facto, com uma remuneração dos seus accionistas, que tem sido muito positiva, não faça não só o investimento em termos de modernização da empresa, mas na contratação e na remuneração dos carteiros e dos outros trabalhadores da empresa para garantir a qualidade de serviço".
Repensar a participação do Estado nos CTT
"Merece uma preocupação do meu lado no fim do meu mandato não ter conseguido inverter esta situação, mas devo dizer mais: é uma situação que durante estes anos eu tenho dialogado com os congéneres dos outros países europeus" - foi durante um ano presidente dos reguladores postais europeus - e "é uma situação que não tem paralelo". Não se verifica em Espanha, França, Alemanha e Itália "com esta gravidade", acrescenta.
"Não, não houve de facto esta evolução e só pode haver uma explicação e essa explicação eu tenho que partilhar com convosco: que é o facto de Portugal ser um dos poucos países - são três da União Europeia - em que o Estado não tem nenhuma intervenção na empresa", aponta. Em França, Espanha, Itália, a empresa é totalmente pública, como sempre foi historicamente, ou por exemplo, na Alemanha, o Estado tem uma participação na empresa.
A degradação da qualidade do serviço dos CTT acontece porque, "contrariamente às telecomunicações", onde há concorrência, "aqui não há", portanto, "se o cidadão ver o correio chegar atrasado não pode recorrer a outra empresa", sublinha. "Penso que é necessário o país pensar se não tem que ter uma participação na empresa, no mínimo como existe na Alemanha, em que não sendo a empresa totalmente pública essa participação permite que a empresa não continue a trajectória (...) de desrespeito por aquilo que são os objectivos do contrato de concessão, que exigem que o contrato de concessão seja feito com qualidade de serviço", remata.
Um lisboeta com raízes ribatejanas
Embora tenha nascido e resida em Lisboa, João Cadete de Matos é filho de pai de Penhascoso, Mação, e de mãe das Mouriscas, Abrantes. É também no Ribatejo, que o presidente cessante da Anacom, que iniciou mandato no ano negro dos incêndios devastadores na região, em 2017, procura refúgio e de onde guarda as melhores memórias da infância e juventude. O MIRANTE distinguiu o trabalho desenvolvido por Cadete de Matos à frente da Anacom, galardoando-o como Personalidade do Ano Prestígio em 2020.