Poucos meios e muitos processos são desafios para a nova presidente do Tribunal da Relação de Évora
Albertina Pedroso fez história ao tomar posse como a primeira mulher a presidir ao Tribunal da Relação de Évora. Perante uma centena de convidados prometeu não baixar os braços, abrir as portas do tribunal à comunidade e lutar para ultrapassar uma escassez crónica de meios que tarda em ser resolvida.
Foi uma tomada de posse agridoce na tarde de 18 de Dezembro para a juíza de Alverca, Albertina Pedroso, que fez história ao ser a primeira mulher a liderar o Tribunal da Relação de Évora, constituído há 50 anos. Aos sorrisos pelo facto de ser a primeira mulher a liderar o tribunal, num mandato que terá cinco anos, juntou-se a consciência de liderar uma estrutura há muito aflita com falta de meios para dar resposta à quantidade de processos que tem em mãos. A Relação de Évora, recorde-se, é o tribunal competente para julgar recursos oriundos das Comarcas de Faro, Santarém, Setúbal, Évora, Portalegre e Beja e é o segundo mais jovem Tribunal da Relação do país.
“A Relação de Évora ficou com uma área territorial correspondente a metade de Portugal continental mas, incompreensivelmente, a esse acentuado aumento não correspondeu o aumento do quadro de desembargadores”, lamentou no seu discurso de posse Albertina Pedroso, notando que uma década após a reforma do mapa judiciário ficou evidenciado “o quanto este tribunal vive dificuldades” que merecem atenção. Sem medo das palavras, Albertina Pedroso lembrou que, além do quadro profissional deficitário, a Relação de Évora tem um quadro de juízes desembargadores “desfasado da realidade” e que se repercute negativamente em todos os que ali exercem funções. “Isto por causa da excessiva carga processual que suportam ano após ano e que se reflecte negativamente nos cidadãos, porque a duração média de resolução dos processos é aqui superior à média dos demais tribunais superiores”, alertou.
Lembrando que o futuro “não se apresenta risonho”, avisou para o “enorme descontentamento, desânimo, cansaço e exaustão física e mental” de quem trabalha naqueles tribunais, com uma preocupante percentagem de juízes em situação de burnout (cansaço extremo). “Mesmo assim, o cansaço e a desesperança não se confundem com a falta de resiliência. Tem sido o nosso sentido de missão a suportar este pilar da democracia portuguesa e quero deixar essas notas de esperança”, afirmou.
Numa sala repleta e sem espaço para mais convidados, Albertina Pedroso lembrou que apesar da Relação de Évora ter sido criada há 50 anos, só na Constituição de 1977 foi possível o acesso das mulheres à magistratura. “É uma feliz coincidência que seja a primeira mulher empossada como 14ª presidente deste tribunal no ano em que celebramos 50 anos desta instituição”, disse a juíza que pretende honrar as mulheres que a inspiraram pessoal e profissionalmente. “A representatividade feminina ainda não chegou aos mais altos cargos da magistratura portuguesa e por isso há mais caminho a percorrer”, afirmou.
Reabrir o palácio à comunidade para acolher espectáculos culturais, actuar junto do Conselho Superior da Magistratura e Ministério da Justiça visando a melhoria das condições de trabalho e reforçar a formação aos juízes são alguns dos seus objectivos para os próximos anos, incluindo melhorar a comunicação do tribunal com a imprensa e, em particular, no que diz respeito aos processos mediáticos.
“Atraso de décadas é inaceitável”
A cerimónia contou com uma centena de convidados onde se incluiu a juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Susana Fontinha, e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, que não poupou nas críticas ao esquecimento em que se encontra a Justiça no país. Lembrou que a Relação de Évora vive sem os meios necessários para lidar com as questões administrativas e financeiras e avisou que a nova presidente terá um mandato pela frente sem poder contar com qualquer estrutura de apoio à presidência.
“(Os tribunais de Relação) continuam a ser esquecidos por quem tem responsabilidade e competência legal para agir. É inaceitável e incompreensível um atraso de duas décadas na regulamentação da autonomia administrativa fundamental para a modernização e eficiência das relações. Este contínuo esquecimento desgasta e desmotiva. É uma insatisfação que grassa nos magistrados de todos os tribunais da Relação e é fruto desta indiferença ou inércia, já nem sei”, criticou.