Em Vale do Paraíso há uma vontade imensa de manter vivas as tradições
Do tradicional leilão das fogaças até ao desembrulhar das rifas na quermesse e à procissão de 13 andores levados em ombros por quem deu mais, a Festa em Honra de Nossa Senhora do Paraíso é a prova da vontade de uma população orgulhosa por manter vivas as centenárias tradições.
Ainda se prepara a mesa para o leilão quando chega ao largo da igreja o grupo do peditório que, ao som da banda, foi de porta em porta pedir um contributo para os sacos de pano que vêm pesados e a tilintar de tantas moedas. Uns aproveitam para meter a conversa em dia, outros esperam com entusiasmo pelo início do leilão das fogaças. Nascida em Vale do Paraíso há 68 anos, Amarílis Dimas apressa-se a beber o café para se juntar às primas próximas da mesa do leilão, que não perde por nada. “Estou de olho nas cebolas, mas só no fim se sabe o que vou levar. Isto é muito engraçado porque vamos discutindo os preços dos produtos e leva quem oferecer mais”, explica notando, porém, que nos seus tempos de meninice a oferta disponível para leiloar era muito superior. Havia de tudo: chouriços, batatas, muita abóbora, azeite e, nessa altura, aproveitava-se para comprar o que fazia falta em casa. Era uma espécie de feira em Dezembro. Mas hoje já são poucos os que cultivam.
As famílias de emigrantes continuam a antecipar o regresso para passar o Natal e apanharem os dias da festa. Há inclusive quem vá à festa e falte à consoada, porque ali levam-se a sério as tradições. As religiosas e as pagãs. Nestas últimas destaca-se um outro leilão, mais concorrido que o primeiro: o dos andores, que antecede a majestosa procissão em honra de Nossa Senhora do Paraíso. É também sob gritos de licitações alternados que vão surgindo os nomes do quarteto que vai levar em ombros um dos 13 andores.
“Quem participa, e estamos a falar de 144 pessoas a compor todo o corpo da procissão, é porque pagou”, assegura o juiz da Confraria Nossa Senhora do Paraíso, João Lourenço. Pagam e pagam bem. “Para levar a padroeira já aconteceu pagarem 2.500 euros”, conta. Mas Amarílis Dimas, mais velha, supera essa recordação: “Lembro-me de o leilão do andor chegar aos dois e três mil contos. As pessoas dantes eram muito católicas, faziam mais promessas e davam mais. Eu sou católica mas não sou praticante. Só vou à missa quando sinto que devo ir, mas à procissão nunca falto”.
A conversa é interrompida pela voz de Fernando Tavares, ao microfone, a anunciar o início do aguardado leilão das fogaças, que começa com uma licitação de dois euros por uma garrafa de aguardente caseira, arrematada por cinco euros. Segue-se uma de abafado e outra de azeite. “São azeitonas de Vale do Paraíso e o azeite está caro”, faz notar Fernando do cimo da mesa, meio decepcionado pelos seis euros de preço final. Falta ainda rematar mais de duas dúzias de garrafas de abafado, ginjinha, azeite, vinho, chuchus, cebolas, entre outros produtos doados pela população à santa padroeira, celebrada ao longo de cinco dias de festa.
“A população tem enraizado este amor a Nossa Senhora do Paraíso”
Ana Margarida Lourenço está ligada à confraria há três anos. Natural daquela freguesia do concelho de Azambuja, diz a O MIRANTE que “a população tem enraizada esta tradição e este amor a Nossa Senhora do Paraíso” que, acredita, nunca há-de acabar. “Esta é uma festa centenária, das poucas que se fazem no Inverno e é feita pelas pessoas daqui. Quem está na confraria faz de tudo, desde a ornamentação da igreja, das ruas, à contratação dos espectáculos, mas não sem o apoio da população muito orgulhosa das suas tradições e que faz para que sejam cumpridas todos os anos”.
É do dinheiro que se faz nos leilões, nos peditórios pelas ruas, na quermesse e nas refeições servidas que se garante a festa do ano seguinte, mas também, e acima de tudo, se assegura a manutenção da igreja, datada do século XVII, da sala pastoral, das salas da catequese e outro património envolvente da confraria. Na quermesse chegam a acontecer fenómenos como vender a mesma garrafa de aguardente 17 vezes, porque quem compra volta a oferecer.
É debaixo da barraca da quermesse que estão Maria José Morais e Catarina Santos a apreciar ao longe o decorrer do leilão das fogaças. Também ali há um pouco de tudo, desde artigos de decoração, plantas, cebolas, a canários, patos, porcos e um cordeiro. Em volta, o chão coberto de papelinhos coloridos demonstra bem como as rifas ainda têm muita saída. “A adesão é muita, sobretudo por parte dos adultos. Fazemos isto desde pequenos e fica o vício, embora sabendo que vão sair coisas que não nos interessam muito”, diz Maria José, que regressou a Vale do Paraíso, a sua terra de origem, há três anos, depois de ter passado 32 anos a viver em Lisboa. “Mesmo lá, neste dia não trabalhava. Para nós dia 18 de Dezembro é feriado, são as nossas tradições”, remata.