Sociedade | 09-01-2024 12:00

Tendas e caravanas são recurso para quem não consegue pagar uma renda de casa

Tendas e caravanas são recurso para quem não consegue pagar uma renda de casa
Movimento nacional Porta-a-Porta foi criado em Vila Franca de Xira e defende casa para todos

Carência habitacional e aumento das rendas deram origem ao movimento nacional Porta-a-Porta, criado em Vila Franca de Xira. André Escoval, porta-voz, diz que é incomportável trabalhar o mês inteiro para entregar o ordenado ao banco ou ao senhorio.

Existem pessoas a viver em caravanas em Alhandra, Póvoa de Santa Iria e na Castanheira do Ribatejo porque não têm dinheiro para comprar casa ou pagar uma renda. Em Lisboa já existem famílias a viver em tendas. De manhã saem para o trabalho, deixam os filhos na escola e regressam à tenda ao fim do dia. O retrato é feito por André Escoval, porta-voz do Porta-a-Porta – Casa para todos, um movimento nacional pelo direito à habitação.
Uma conversa entre amigos à mesa do café, todos residentes no concelho de Vila Franca de Xira, deu origem ao movimento. “Estamos confrontados com aumentos acentuados dos créditos à habitação e das rendas e sentimos necessidade de intervir e encontrar soluções. Uma das características que marca o problema é ser transversal a todos os distritos do país, inclusive às ilhas, o que está a deixar a vida das pessoas de pantanas”, diz André Escoval.
Em 2024 as rendas vão ser actualizadas em 6,94%, o valor mais alto desde 1994. Num quadro de estagnação do poder de compra e com salários baixos as famílias vão sentir os impactos. “O problema geral é que nós trabalhamos o mês inteiro para entregar o salário ao senhorio ou ao banco. Em Alhandra, uma pessoa a ganhar o salário mínimo não encontra uma casa para arrendar com uma renda abaixo do seu salário. Não temos nenhum distrito no país onde o preço do metro quadrado na venda de imóveis não tenha subido menos de 10%”, afirma.
O estudo, realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre habitação, diz que de 2015 a 2022 o preço das casas por metro quadrado valorizou 90%. No distrito de Santarém, entre 2021 e 2023 o preço por metro quadrado subiu em média cerca de 35%. No concelho de Vila Franca de Xira subiu 15% e no concelho de Azambuja 37,2%.

Especulação imobiliária
O aumento do preço das casas está relacionado com a especulação imobiliária, considera André Escoval. Os censos de 2021 dizem que existem 724 mil casas vazias das quais 350 mil estavam no mercado, parte delas transaccionadas duas e três vezes por ano aumentando a onda especulativa. Nunca ninguém chegou a residir nesses imóveis. “Esse é o problema de fundo, tornámos a habitação uma mercadoria e a função social da casa deixou de existir, é um negócio”, lamenta.
O Porta-a-Porta defende que a solução do problema passa pela regulação do mercado de arrendamento, travando as subidas e alargando a duração dos contratos. Até porque ninguém consegue ter estabilidade familiar e profissional a mudar de casa de 12 em 12 meses. Por outro lado, o movimento considera que o Governo deve disponibilizar habitações públicas para as famílias mais carenciadas, através de um arrendamento ajustado ao poder de compra. “O crédito à habitação ou a renda não deve levar mais do que 35 % dos rendimentos mensais líquidos da pessoa ou agregado familiar porque é preciso viver o resto do mês e pagar alimentação, água, luz e escolas. Este valor não surge por acaso, é a referência da ONU para os gastos com habitação”, alerta.
Proibir despejos sem alternativa de habitação digna é outra das medidas que o movimento entende que deve partir do Estado. “No movimento não gostamos de dizer que houve ausência de políticas de habitação. O governo quando decide que não trava o aumento das rendas está a decidir politicamente. A teoria que o mercado se vai auto-regular conduziu-nos até aqui”.

Imigrantes rentabilizaram o negócio
No total de alojamentos, o parque público em Portugal representa 2% e na União Europeia chega aos 20%. Nos Países Baixos e na Áustria chega aos 30%. O problema tem uma escala europeia. “Alguns países estão a ter boas experiências na regulação do preço do arrendamento, como Espanha e Áustria. Quando analisamos o espaço europeu temos que analisar a massa salarial. Somos um dos países com os salários mais baixos e isto tem impacto”, vinca André Escoval.
O levantamento do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) feito em 2018 dava conta que existiam 36 mil famílias com necessidade de alojamento. As cartas municipais de habitação que estão feitas, perto de 85%, já identificam 90 mil famílias com carências habitacionais. Tendo em conta a dimensão do problema o Porta-a-Porta considera que os contratos assinados entre o IHRU e os municípios, para a criação de habitação, não são suficientes para dar resposta às necessidades.
O aumento do número de imigrantes em Portugal não agravou a falta de habitação. André Escoval diz mesmo que para muitos senhorios e fundos imobiliários a imigração é uma “vaca sagrada”. Deu a possibilidade de rentabilizar imóveis que não tinham saída no mercado tradicional de arrendamento. “Quando se aluga uma cama duas vezes por dia e dentro de uma casa eu meto dez camas em que cada uma rendeu 60 euros por noite isto dá resposta do que a imigração significou para quem usa a habitação como mercadoria. A onda especulativa explora os mais vulneráveis”, acusa.

Porta-a-Porta na rua a 27 de Janeiro

O Porta-a-Porta tem vários núcleos a funcionar na região como em Santarém, Benavente, Alenquer, Azambuja e Vila Franca de Xira. Os núcleos estão a mobilizar pessoas que sentem na pele o aumento do custo com a habitação para participar na acção nacional no próximo dia 27 de Janeiro. O movimento, criado no início de 2023, saiu à rua em 24 cidades do país no dia 30 de Setembro. Em Novembro estiveram acampados em frente ao Parlamento Europeu. “É intolerável. Ninguém suporta os aumentos que aí vêm. A situação que o país vive não é desculpa para não se tratar desta matéria”, reforça André Escoval.

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