Manuel Grilo: 47 anos ao serviço da Justiça e a boa imagem que deu a Santarém
O primeiro administrador da Comarca de Santarém, que engloba todos os tribunais do distrito, foi para a reforma ao fim de uma vida na Justiça. Estava no cargo desde a reforma judiciária de 2014.
Em nove anos, Manuel Grilo, trabalhou com três juízes presidentes, que gerem a comarca, e executou muitos desafios como o de instalar o Tribunal da Concorrência num prazo reduzido. Chegou a dizer ao juiz presidente que se no dia 1 de Abril de 2012 o tribunal não estivesse a funcionar como exigia a Troika, atirava-se para debaixo do comboio.
Manuel Grilo desceu as escadarias de pedra do Tribunal de Santarém pela última vez como quadro da justiça no dia 3 de Janeiro, depois da tomada de posse do seu sucessor. Diz que nunca mais lá mete os pés. Promessa de quem carrega um peso de 47 anos de justiça, mas ninguém acredita. Quem o conhece sabe que é um desabafo de quem precisa de descansar dos dias de angústia. Como naquele 5 de Março de 2012 em que lhe ligaram para instalar o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão em 26 dias. No dia 1 de Abril a Troika deslocava-se a Santarém para confirmar que o Estado estava a cumprir esta exigência. E nesse dia estava tudo a funcionar. Primeiro administrador judiciário da Comarca de Santarém, criada com a reforma judiciária de 2014, Manuel Luís dos Santos Grilo deixa uma imagem de exigência. Característica que foi fundamental para acabar com a má fama que o Tribunal de Santarém tinha quando para lá foi como secretário de justiça da secretaria-geral.
Chegou a Santarém em 2008, depois de quatro anos como secretário em Tomar. O tribunal da capital de distrito era motivo de conversas na cidade. Alguns funcionários passavam tardes nos cafés e o tribunal demorava muito a pagar serviços. Foram dois anos de “uma gestão com pulso”. Chegou a ir aos cafés buscar funcionários para irem trabalhar. Manuel Grilo, 66 anos, com a “felicidade de nunca ter estado de baixa médica”, reconhece que algumas pessoas têm dele uma imagem de ser um mau-feitio. Mas é apenas da exigência que colocou sempre no seu trabalho desde que fez o estágio em Torres Novas com 18 anos.
Quando passou o testemunho a Manuel Louro, escrivão em Santarém, nomeado pela juiz presidente como substituto, entregou a responsabilidade de 275 funcionários, entre oficiais de justiça, escrivães, motoristas, assistentes técnicos, distribuídos por tribunais em 15 concelhos, cujas instalações também estão a seu cargo. Em nove anos orgulha-se de ter feito várias colocações transitórias de funcionários onde eram mais precisos e nunca houve recurso das decisões para o Conselho Superior da Magistratura. A gestão dos funcionários foi uma das vantagens da nova estrutura judiciária, de que é um entusiasta. Quando tomou posse como administrador, o braço direito do juiz presidente, havia mais de 100 mil processos pendentes no distrito. Hoje são cerca de 42.500. Um feito das medidas de gestão, das alterações legislativas, da especialização, da dedicação de juízes e procuradores e dos funcionários que até diminuíram.
Natural do concelho de Torres Novas, onde estudou na escola industrial e comercial, fez o antigo sétimo ano (11º ano de escolaridade actual) em Tomar. Quando na década de 80 foi colocado em Alcanena, o primeiro juiz do tribunal, que já funcionava em más condições, Afonso Pessoa Santos, chamava-o ao gabinete para falarem de Direito. Incentivou-o a prosseguir os estudos. Poderia ter chegado a juiz, mas já tinha filhos, um casal de gémeos e outro rapaz. Pensou mais naquilo que ia deixar de lhes poder dar com as despesas dos estudos e a falta de tempo. Não tem pena. Depois do estágio teve de esperar quatro anos para entrar na função pública, que só estava a colocar quem vinha das ex-colónias. Trabalhou como empregado de escritório numa metalúrgica e no grémio da lavoura. A primeira colocação foi no Tribunal de Alcobaça e só ia ao fim-de-semana a casa, de autocarro. Até ao último dia de trabalho usou os transportes públicos.
A valorização dos oficiais de justiça
Manuel Grilo gostava de ver a classe dos oficiais de justiça reconhecida e valorizada pela magistratura, pelos advogados e pelos cidadãos. São a primeira imagem que o cidadão leva da justiça e dão a cara por ela, realça. Uma das perdas destes profissionais foi a saída das penhoras dos tribunais. Quando se ia fazer uma diligência os funcionários tinham muitas vezes de tomar decisões no local conforme as circunstâncias que encontravam e isso dava-lhes experiência e conhecimento. Há quatro décadas, “sabiam mais e tinham mais interesse pela profissão, por aprender”. Era tudo escrito à máquina, mas não havia tanto papel nos processos porque os juízes faziam fé nos escrivães. Bastava dizerem no processo que tinha cumprido as notificações e não era preciso lá colocar os ofícios.
Falta da adrenalina, as inspecções e poucas falas
O conselho que deu a seu sucessor foi para falar pouco. Na justiça, nestas funções, qualquer palava pode ser mal interpretada, previne. “Agora o telefone vai descansar”, diz com ar de alívio sentado no cadeirão do gabinete impecavelmente arrumado e sem papéis em cima da secretária. Mas acredita que vai ter saudades da adrenalina diária. Vai compensá-la a brincar com as três netas. Ou a viajar para Londres, onde um dos filhos é cardiologista, ou para França onde o outro é director de uma multinacional. A filha é pediatra em Coimbra. Leva muitas horas dadas ao Estado e muito tempo em casa a pensar no trabalho. As funções que não gostou tanto de exercer foram as de secretário de inspector que o levaram a percorrer o país durante uma década e a ser “olhado de lado”. Mas foi “uma boa experiência profissional”.
Durante nove anos, executou as determinações da presidência da comarca que conseguiu significativas melhorias nas instalações. Recuperaram-se obras de arte. Como a que se acredita ser a última pintura de Manuel Lapa no Tribunal de Torres Novas e que se desconhecia a sua autoria e importância. A sala de audiências de Tomar deixou de ser uma espécie de pombal, recuperou-se a secretaria de Torres Novas. Em Benavente foram descobertos, numa sala, processos anteriores a 1987. Prescritos há muito, regularizou-se a situação.
Com a reforma judiciária movimentaram-se na área da comarca cerca de 106 mil processos. Muitos ficaram centralizados em Santarém. Outros foram para secções especializadas entretanto criados, como a de execuções no Entroncamento. Foram militares do Exército que transportaram e carregaram os processos. Os funcionários prepararam e arrumaram tudo. “Foram inexcedíveis”. As salas de audiências do PJ2 na antiga Escola Prática de Cavalaria em Santarém foram quase todas mobiladas com mobiliário que o administrador foi buscar ao já extinto Tribunal da Boa Hora em Lisboa.