Um ex-ferroviário e autarca do Entroncamento que se dedica ao artesanato num lar em Meia Via
Com 82 anos e a residir no Lar Sagrada Família, na Meia Via, Francisco Gonçalves passa os dias no seu quarto, onde montou uma mesa de trabalhos artesanais. Os comboios são a peça que mais gosta de criar, uma vez que foi ferroviário durante toda a vida e um dos autarcas com maior curriculo no concelho do Entroncamento.
Francisco Gonçalves tem 82 anos e, embora tenha muitas dificuldades de locomoção, tem uma lucidez invejável e boa-disposição para dar e vender. O antigo ferroviário recebeu O MIRANTE no Lar Sagrada Família, na Meia Via, onde reside a tempo inteiro e onde diz sentir-se em casa, acarinhado e bem tratado por todos. Foi na instituição que começou a sua aventura no artesanato. “As pessoas institucionalizadas passam o dia sentadas, a dormir ou a ver televisão. Quando aqui cheguei também me aconteceu. Mas rapidamente pensei que estava demasiado saudável mentalmente para passar assim os meus dias, então montei uma mesa de trabalho no meu quarto e passo lá oito horas diárias, fazendo só pausa para as refeições e para o período do telejornal, porque sou um viciado em notícias e em saber o que se passa no mundo” afirma, com um sorriso.
Aos 17 anos ingressou na escola de aprendizes da CP, onde passou mais de quatro décadas, nas funções de operário e instrutor. Aos 56 anos, idade com que se reformou devido a um antigo regime especial, encontrou uma nova paixão. Entrou na vida política e, ainda hoje, é o único político no Entroncamento que passou por todos os órgãos autárquicos, tendo terminado a sua carreira depois de cumprir um mandato como vice-presidente da Câmara Municipal do Entroncamento, era à época José Cunha o presidente do município, seu grande amigo. “Após a reforma da CP, cheguei a estar na direcção de seis colectividades ao mesmo tempo. Mas depois do primeiro mandato como vereador cansei-me. Vi muita maldade e coisas que não queria ver na política e entendi que aquilo não era para mim” desabafa. Entre a vida ferroviária e política, teve ainda uma passagem durante alguns anos por um escritório de arquitectura, onde adquiriu valências que ainda hoje lhe são úteis para auxiliar amigos em projectos de casas.
Além dos comboios, Francisco Gonçalves desenha retratos e paisagens e cria monumentos como castelos e cabines, algumas inspiradas nas que existem em Londres, capital de Inglaterra. Admite que a ideia de passar a reforma no café a jogar às cartas não lhe parecia produtiva e o artesanato funcionou como distracção. Já expôs nos dois lares da Sagrada Família, na Meia Via, e diz que todas as peças que cria oferece aos técnicos dos lares. No total já fez mais de 200 trabalhos.
No lar, ficou limitado ao material existente, sendo grande parte das peças feitas, actualmente, em cartão. No entanto, admite que nem assim reduz o trabalho porque tem de tirar as medidas de forma minuciosa, cortar, pintar e ter atenção aos detalhes. Em média, demora cerca de dois dias a fazer uma peça. A cabine telefónica de Londres, por exemplo, foi o trabalho mais demorado, mas um comboio em madeira que adaptou a calendário, com pequenos cubos numerados para assinalar o dia e o mês, é o trabalho que mais se distingue dos que ainda tem consigo e um dos que mais gozo lhe deu a fazer.