Funções de provedor de uma Misericórdia exigem muito e devem ser remuneradas
Jorge Nogueira, 57 anos, é provedor da Santa Casa da Misericórdia do Cartaxo desde 2016 depois de ter sido vice-provedor nos dois mandatos anteriores. O cargo é remunerado desde 2021.
Reconhece que o voluntariado é necessário nestas instituições mas defende que o futuro passa pela remuneração das funções de provedor para que se possa atrair pessoas mais jovens para os cargos dirigentes. O objectivo do novo mandato, que começou a 9 de Janeiro deste ano, é equilibrar as contas. Lamenta a falta de apoio por parte da Câmara do Cartaxo.
O cargo de provedor na Santa Casa da Misericórdia do Cartaxo passou a ser remunerado em 2021. É este o futuro nestas instituições?
Reconheço que o voluntariado é necessário e que estas instituições não podem remunerar todos os seus órgãos, mas não contem comigo para alinhar com aquele discurso que diz que este sector tem que viver à base do voluntariado. Quando me desafiaram para o cargo de provedor aceitei depois de pensar bastante porque é uma grande responsabilidade. Não sou rico e sempre disse que não seria provedor para ir à instituição assinar cheques uma vez por semana. Quero estar envolvido. Fiz um mandato em regime de voluntariado mas no segundo mandato passei a ser remunerado e acho que é esse o caminho.
Porquê?
Temos que nos preparar para começar a remunerar a gestão destas instituições porque senão não vamos a lado nenhum. Habitualmente, estas instituições eram dirigidas por pessoas que já estavam reformadas, que têm todo o mérito e mais disponibilidade de tempo. No entanto, precisamos de pessoas mais jovens, com 40 ou 50 anos, que nos ajudem a modernizar este sector. E as pessoas mais novas não são ricas nem têm tempo para conciliar o trabalho com o voluntariado. Os novos tempos e os mais novos vão encarregar-se de mudar o paradigma.
O que tem sido mais desafiante?
Estas instituições criam-nos um grau de preocupação muito grande. Estamos a viver anos muito difíceis de contar e é muito difícil de explicar a quem não viveu por dentro as preocupações que este sector enfrenta. Sobretudo durante a pandemia.
O Estado deu-vos dinheiro para compensar o que gastaram a mais durante a pandemia?
De forma directa compensou-nos com cerca de oito mil euros para custas com material, mas só nesse ano gastamos, em material como viseiras, máscaras e álcool gel, perto de 90 mil euros. O apoio não serviu para praticamente nada. O facto de termos camas vazias para resguardar os utentes que tinham que sair para o hospital obrigou-nos a ter menos utentes, o que significou uma perda financeira.
O Estado ajuda o que deveria ajudar estas instituições?
A nossa missão está a ser feita em nome do Estado, que tem a obrigação de cuidar dos mais dependentes e dos mais velhos mas não tem capacidade por si próprio para realizar essa tarefa. Tem, desde há muitos anos, confiado num conjunto de instituições, entre as mais antigas as Misericórdias, para fazermos e concretizarmos o que Estado tem que fazer. O Estado dá-nos dinheiro por cada utente que temos.
Esse dinheiro é suficiente?
Desde 2016 o salário mínimo em Portugal tem subido de acordo com as directrizes do Governo. E muito bem, porque os trabalhadores merecem receber muito mais, em particular os deste sector, pela exigência que o trabalho tem. Cuidar dos mais velhos é de uma exigência muito grande. Tem sido bom que desde 2016 o salário mínimo tenha subido. As nossas dificuldades começam em 2016 porque tivemos que actualizar os salários mínimos e os médios mas depois não tivemos o retorno. O aumento das comparticipações por utente não tem acompanhado a subida salarial. O problema não é único desta instituição.
Gestão tem sido feita no fio da navalha
Quais os principais projectos para este mandato?
Este sector e as Misericórdias tentam sempre o equilíbrio e a sustentabilidade. Esse é um desígnio que temos desde sempre. Somos do sector não lucrativo, não visamos o lucro, mas ninguém pense que uma empresa, e somos uma empresa, pode viver bem se não tiver resultados positivos. O nosso desígnio é equilibrar as contas. Esse é o objectivo principal que temos para este mandato.
Como têm corrido os últimos anos?
Nos últimos três anos apresentámos resultados negativos, sempre acima dos 100 mil euros. É algo que nos preocupa muito porque do ponto de vista bancário não olham para os nossos olhos mas sim para as nossas contas. O propósito é tentar equilibrar esta casa porque percebemos que essa é a nossa máxima urgência para conseguirmos fazer algum investimento. Neste momento temos que reduzir despesa e aumentar receita. Sabemos onde queremos aumentar receita mas temos que ir à procura de disponibilidade financeira.
Onde querem aumentar a receita?
Temos um equipamento chamado Casa de Santa Cruz, que é um lar onde os utentes não são comparticipados pela Segurança Social. É a nossa resposta privada e onde temos algum retorno financeiro. É na Casa de Santa Cruz que pretendemos, a médio prazo, aumentar a nossa capacidade de camas. Actualmente temos capacidade para 34 camas mas queremos aumentar para, no mínimo, 50 camas. Estamos há algum tempo a tentar concretizá-lo mas para isso é preciso capacidade financeira para investir.
Têm património físico onde consigam obter retorno financeiro?
Temos alguns terrenos no campo que estão arrendados. Casas de habitação que também estão arrendadas mas o património não é muito. Vivemos muito das mensalidades dos utentes e as comparticipações que o Estado tem para connosco.
Quanto é o orçamento financeiro para este ano?
O orçamento tem andado sempre pelos 2,4 milhões euros.
Na última assembleia-geral votaram a proposta de constituição de uma hipoteca.
Temos uma dívida de cerca de 70 mil euros à Segurança Social e fizemos um plano de pagamento, como é normal.
Foi-nos exigida uma hipoteca sobre a Casa de Santa Cruz para garantir esse plano de pagamento.
Em assembleia-geral também votaram a candidatura ao fundo de reestruturação do sector social. Porquê?
Pelas dificuldades financeiras. É um apoio e apresentámos a candidatura mas sem grande esperança de ser aprovada. Conheço instituições que já se candidataram há três, quatro anos e ainda não receberam esse apoio.
Conseguem ter os pagamentos assegurados?
Apesar das dificuldades as contas estão em dia ao Estado e aos trabalhadores. Aos fornecedores também temos os pagamentos em dia, embora alguns com um bocadinho mais de atraso. A gestão tem sido feita no fio da navalha tendo em conta as dificuldades financeiras.
A Câmara do Cartaxo tem-vos ajudado?
A gestão do município mudou em 2021 mas para nós o resultado tem sido sempre o mesmo porque não temos apoio nenhum. Temos demonstrado que temos necessidade e damos apoio a cidadãos do concelho. A resposta que nos foi dada é que o município tem capacidade financeira para apoiar mas que o FAM [Fundo de Apoio Municipal], que gere os gastos e receitas do município, não deixa que exista subsidiação a um conjunto de situações, entre as quais este tipo de ajuda. Desde Março de 2020 o apoio que a Câmara do Cartaxo deu à Santa Casa foram 30 viseiras e cedeu-nos o autocarro durante três meses para ir um dia a Santarém vacinar os nossos trabalhadores. Vou reivindicando muito junto da câmara porque acho que merecíamos uma atenção diferente da que nos tem sido dada.
Como vê essa falta de apoio?
É grave porque - não é que as instituições tenham que depender do auxílio das autarquias - não faz sentido que uma autarquia que tem obrigação de gerir um território e de cuidar dos seus concidadãos não consiga ter nada para apoiar os cidadãos institucionalizados.
O provedor que foi jornalista e político
Jorge Nogueira, 57 anos, é jornalista mas deixou a profissão para trabalhar numa empresa de vinhos da família. Natural da Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, foi viver para Vila Chã de Ourique, concelho do Cartaxo, em criança, de onde é natural a família paterna, e ficou lá até casar, altura em que se mudou para a cidade do Cartaxo. Entrou na Misericórdia do Cartaxo em 2006 quando era provedor Tomás Estevão. Era secretário e ajudava em tudo o que era necessário. Militante do PSD, Jorge Nogueira desligou-se da política quando assumiu a função de provedor e prefere, por isso, não se pronunciar sobre a política local.
Foi vice-provedor durante os mandatos da provedora Luísa Pato tendo-se tornado provedor em 2016. “Não contava ser provedor. Fui confrontado com a saída de Luísa Pato e desafiaram-me. Pensei bastante porque é um cargo de muita responsabilidade mas percebi que deveria aceitar para ajudar as pessoas do meu concelho que precisam de apoio”, explicou a O MIRANTE. Tomou posse para o terceiro mandato como provedor a 9 de Janeiro deste ano.
No total, a instituição tem 180 utentes. No Lar de São João estão 65 utentes, divididos pelas valências de lar e apoio domiciliário. Na Casa de Santa Cruz estão as residências para idosos. Com cerca de uma centena de funcionários, é das principais empregadoras do concelho do Cartaxo.