O testemunho emocionante de quatro presos políticos que foram torturados pela PIDE
Quatro antigos presos políticos partilharam as suas histórias de luta e resistência dos tempos da ditadura, quando foram presos pela PIDE, numa conversa que se realizou no Centro Humberto Delgado, no Boquilobo. Domingos Abrantes, Conceição Matos, José Marcelino e Manuela Bernardino são um exemplo de superação e resistência.
O testemunho de quem lutou pela liberdade e sofreu na pele a opressão de uma ditadura em Portugal foi partilhado na primeira pessoa por quatro presos políticos numa conversa intimista e emocionante que se realizou no Centro Humberto Delgado (CHUDE), no Boquilobo, a 28 de Janeiro. Domingos Abrantes, Conceição Matos, José Marcelino e Manuela Bernardino foram presos políticos e torturados pela PIDE, e contaram as suas histórias de luta e resistência ao regime do Estado Novo, que vigorou entre 1926 e 25 de Abril de 1974. Uma das mensagens que quiseram deixar para reflexão é que a liberdade nunca está garantida e que o perigo do fascismo voltar aos dias de hoje está bem presente.
Domingos Abrantes, de 88 anos, natural de Vila Franca de Xira, militante e funcionário clandestinamente do PCP, foi preso pela primeira vez em 1959 e participou na famosa fuga de Caxias em 1961, num carro blindado ao serviço de Salazar. Esteve preso novamente entre 1965 e 1973 em Peniche, onde casou com Conceição Matos, também funcionária do PCP. No total Domingos Abrantes esteve 11 anos preso com 31 dias de tortura e ainda recorda que, com o cansaço psicológico, a PIDE o fez acreditar que tinha uma máquina que adivinhava os seus pensamentos. Lamenta que a luta contra o fascismo e a opressão seja muitas vezes ignorada pelos responsáveis políticos actuais, apesar de todos saberem os custos que a conquista da liberdade envolveu. “Há famílias que nunca souberam onde os seus familiares foram enterrados”, afirmou. Domingos Abrantes recordou os tempos dramáticos em que a polícia era fascinada por espancar grávidas para “ajudar ao parto”, diziam, e tinham gosto em ser chamados de assassinos. “Nós temos a felicidade de ter visto o 25 Abril, mas houve gerações que lutaram e não viram. Houve pessoas que deram vida pela liberdade”, sublinhou.
Às portas da morte
A história de Conceição Matos foi a que mais impactou e emocionou os participantes na conversa pela extrema violência que sofreu. Em 1965, a PIDE e a Guarda Nacional Republicana arrombaram a porta de casa do casal, quando Conceição Matos estava sozinha e queimava papéis que tinha no quarto. Foi levada para a prisão de Caxias onde foi torturada. Esteve mais de dois meses isolada e ia marcando a passagem dos dias com a unha no armário. Foi sujeita a tortura de sono, espancada brutalmente, obrigada a fazer as necessidades no chão, que tinham de ser limpas com as próprias roupas, fotografada e exibida nua aos guardas da polícia política. Foi presa novamente à porta do emprego em 1968, quando voltou a ser torturada e ainda ouviu “o inspector Tinoco” a vangloriar-se, dizendo que tinha “muita honra em lhe ter dado cabo da saúde” e que um dia ia cumprir a promessa de lhe tirar a vida.
Um homem de coragem
José Marcelino, nasceu em Arrifana, Manique do Intendente (Azambuja), também esteve preso em Caxias e Peniche, entre Julho de 1971 e finais de 1972, e julgado em Tribunal Plenário. A sua acção política começou quando trabalhava numa fábrica de material de guerra, por volta dos 18 anos, depois de uma visita de Salazar à empresa quando mobilizou os colegas a não contribuírem para o peditório dos chefes destinado à compra de uma prenda para presidente do Conselho de Ministros, o que foi visto como um acto de coragem pelos colegas. A partir desse momento começou a ter um papel activo na luta anti-fascista. A participação numa concentração para homenagear os homens da República no cemitério do Alto de São João (Lisboa), em 1958, foi a sua primeira experiência na luta anti-fascista, que contou com a presença das forças policiais, recordando que ainda hoje está “atordoado das cacetadas” que levou na cabeça. Em 1971 foi preso quando já trabalhava na TAP, acusado de atentar contra a segurança do Estado, por reivindicar melhores condições de trabalho e por ter um documento feito clandestinamente para eleição dos representantes dos electricistas da empresa para comissões, que foi apreendido pela PIDE. Apesar de tudo, apelida-se como um “homem de sorte” por ter mais do dobro da idade que o seu pai tinha quando faleceu. “Só não tenho a sorte de ele saber que eu sou um homem honesto e que tenho lutado pelo nosso país”, sublinha.