Vila Franca de Xira é uma terra conservadora e não se adaptou às mudanças
José Costa, 70 anos, foi professor de História mais de três décadas na Escola Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira.
Reformou-se o ano passado mas os alunos cumprimentam-no quando passa na rua. Escreveu obras que documentam a história local e está a terminar a pesquisa sobre o Sport Lisboa e Vila Franca. Com um olhar crítico sobre a cidade, lamenta a falta de visão dos políticos locais e o comodismo da população.
Vila Franca de Xira foi sempre uma terra conservadora que não sabe adaptar-se às mudanças. Noutros tempos chegou a competir com Torres Vedras, Cartaxo e Santarém. Mas em termos comparativos estas terras desenvolveram-se mais. José Costa, professor de História aposentado há um ano, é crítico e diz que nunca houve preocupação em manter uma identidade em Vila Franca de Xira. “Actualmente é uma terra hibrida composta por uma minoria de vilafranquenses. É um dormitório. Mora aqui muita gente mas não fazem vida aqui”, diz.
O professor admite que encontra defeitos em todos os presidentes da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e lamenta o comodismo da população. Para uma mudança de grande envergadura, como é a quadruplicação da linha de caminho-de-ferro, esperava maior mobilização. “Vemos sempre os mesmos nos acontecimentos porque as pessoas só dormem cá e fazem vida fora. A quadruplicação da linha vem acentuar o que já é, ou seja, o afastamento da população do rio por causa da linha de comboio. A reviravolta tem de ser na atitude colectiva das pessoas. As cidades são fenómenos colectivos”, vinca.
Para José Costa, os aspectos culturais têm sido postos de lado em relação a outras áreas, com desinvestimento por parte dos executivos municipais: “Não é atribuir culpas mas tivemos governantes a nível local com pouca visão. As questões que se colocam ao passado são em função dos problemas actuais”.
Aficionado, considera que a tourada é um espectáculo de arte onde o centro é o touro, o herói. Mas em VFX os aficionados estão muito divididos e as tertúlias não vão aos acontecimentos umas das outras. Perdeu-se a essência e as tertúlias pouco promovem e discutem a tauromaquia, dedicando-se mais aos comes e bebes, opina.
“Este sistema de ensino é paternalista e não prepara as pessoas para a vida”
José Costa considera que o ensino de História está muito condicionado pelo estado de ignorância a que os programas têm conduzido os alunos. Aposentado há um ano, ainda é abordado e surpreendido na rua por antigos alunos. O docente começou a dar aulas de Filosofia, em 1979, na antiga Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira, onde também estudou. Nunca pensou ser professor e era para ter seguido Economia. Em Lisboa frequentou a antiga Escola Comercial e Secundária Veiga Beirão, no Largo do Carmo, e tirou o curso de História. Deu aulas em Benavente, Coruche, mas fixou-se como professor de História em 1988, na Escola Professor Reynaldo dos Santos, em VFX, onde esteve até 2023. Não fosse o limite de idade para dar aulas ainda tinha continuado.
Na altura em que começou o ensino era mais exigente. Alguns temas que se davam à época hoje não se dão na faculdade pela sua complexidade. “Se os alunos não sabem como está organizado o poder político como podem compreender como era a república romana. Falamos na invenção da agricultura mas as crianças não sabem o que é uma enxada. Os programas de História são muito grandes, a começar no ensino básico, e não há tempo de dar a matéria toda”, afirma.
A família de José Costa é da Beira Baixa, concelho de Penamacor. Começou a viver com os pais em VFX aos nove anos. O pai trabalhava na extinta polícia de viação e trânsito e a mãe no grémio das frutas. Nunca saiu da cidade ribatejana e apaixonou-se pela história local, matéria que transmitiu sempre aos alunos. “Os meus melhores momentos foram fora da escola. Quando os alunos me confrontam e dizem que ainda se lembram de determinada aula é a melhor recompensa de que não andei aqui em vão. Tenho amizades com pessoas que foram meus alunos no primeiro ano que dei aulas”, destaca.
Um dos piores momentos que recorda foi um dia em que estava a dar uma aula e a auxiliar bateu à porta e chamou uma aluna do 11º ano para lhe dizer que o pai tinha morrido. Passado uns dias a aluna mostrou-lhe uma fotografia do pai, que reconheceu porque tinha sido seu aluno. “Felizmente não tenho momentos muito tristes na minha carreira mas vi colegas meus a chorar, com o sistema nervoso completamente alterado. E o poder político trata pessimamente os professores sobretudo desde que a ministra Maria de Lurdes Rodrigues quis dividir a classe”, reitera.
É contra a criação dos mega agrupamentos escolares porque diz que não ajudam nem alunos nem professores. Não concorda que a Escola Reynaldo dos Santos tenha sido transformada em básica e secundária passando a ter alunos do 5º ao 12º anos. “Este sistema é paternalista e não prepara as pessoas para a vida. Os alunos têm uma negativa e desistem. Para dar uma nota negativa temos de justificar muito bem. Os professores hoje são administrativos porque passam mais tempo a preencher papéis do que a planificar as suas aulas. Os professores são desconsiderados a nível global”, sustenta.
José Costa nos bastidores da História Local
Como José Costa sempre teve uma vida fora da escola a reforma tem sido pacífica. Conversa com amigos e participa nas iniciativas em que é muitas vezes convidado, como apresentação de livros.
Escreveu o roteiro bibliográfico de Vila Franca de Xira e a cronologia do século XX da cidade, obras que são consultadas para pesquisa. Entre vários contributos para a história local que escreveu destaque para a morte e funeral de Alves Redol.
Actualmente está a terminar de escrever sobre o Sport Lisboa e Vila Franca, um clube que existiu durante dez anos mas que pouco se sabe, no qual Alves Redol foi sócio e seccionista. Na calha está a recolha de matéria para escrever sobre a secção cultural do União Desportiva Vilafranquense (UDV) e sobre os quatro clubes que deram origem ao UDV após se terem fundido. “Gostava de escrever sobre a história da própria terra porque há períodos de que não sabemos nada. O terramoto de 1755 e as cheias fizeram com que se perdesse documentação. Além da inépcia de quem devia tratar disto. Numa dada altura o arquivo municipal andava distribuído por 14 sítios e alguns deles, enfim… Deviam ter um edifício próprio”, defende.