Sono é um problema de saúde pública que é tratado a pontapé
Numa altura em que se vive uma “epidemia da insónia”, em particular desde os confinamentos da Covid-19, uma especialista na temática do sono, Teresa Paiva, esteve em Vila Franca de Xira a apresentar o seu novo livro e a desmistificar algumas das ideias erradas sobre o assunto.
Pressão laboral, trabalhar mais horas do que o horário normal e realizar constantemente multitarefas são alguns dos maiores inimigos do sono e riscos que constituem o primeiro passo para um esgotamento (burnout) e outras doenças mais graves. Numa altura em que se vive uma “epidemia da insónia”, em particular depois dos confinamentos impostos pela pandemia, com a maioria das pessoas a dormir mal - mesmo sem o saber - uma das maiores especialistas portuguesas na temática do sono esteve em Vila Franca de Xira a apresentar o seu novo livro e a responder a dúvidas da comunidade.
“O sono é um problema de saúde pública e em Portugal é um assunto tratado a pontapé”, explica a O MIRANTE Teresa Paiva, à margem da sessão que encheu o auditório da Fábrica das Palavras no último fim-de-semana. “É muito importante falar do sono como um factor essencial para a saúde, felicidade, bem-estar e qualidade de vida e não falamos o suficiente sobre ele. Há muitas notícias todos os dias sobre o sono dando conselhos para resolver o problema desta e de outra maneira, como se o sono fosse algo simples. É uma coisa complexa que tem de ser bem analisada”, refere.
Teresa Paiva tem um percurso profissional rico e tem dedicado a vida a investigar o sono e a sensibilizar a população para o problema. Foi chefe de serviço de neurologia no Hospital de Santa Maria, organizou as primeiras consultas de cefaleias do país naquele hospital, em 1976, é directora clínica do Centro de Medicina do Sono, publicou 154 artigos científicos sobre o tema e recebeu 16 prémios e distinções pelo seu percurso. É de Lisboa e não tem relação directa com Vila Franca de Xira mas confessou a O MIRANTE ter boas memórias de quando usava a ponte da cidade para rumar a sul. “Não havia as auto-estradas de hoje”, sorri.
Entre os mitos que é preciso desmistificar, avisa, está a ideia que ressonar é normal e que as mezinhas naturais para dormir ou os suplementos de melatonina são boas ideias. “Sou defensora de termos comportamentos e práticas saudáveis, de respeitar a natureza e ter uma boa alimentação”, explica. Quando se sofre de insónia pior: “Quanto mais remédios se toma para dormir pior”, avisa. Segundo Teresa Paiva, um dos problemas de quem sofre deste distúrbio do sono é levar os problemas consigo para a cama. “Não são capazes de desligar. São pessoas com dias agitados e perfeccionistas, com tendência para controlar tudo incluindo o sono e ele não gosta de ser controlado”, explica.
Evite telejornais à noite
Para a médica, a mente fica particularmente susceptível a ter emoções negativas ao fim do dia, pelo que ver noticiários, muitas vezes compostos só de más notícias, só agrava essas emoções. “As pessoas ficam muito preocupadas, mesmo a um nível subconsciente. Recomendo vivamente que não vejam noticiários à noite e optem por conteúdos que vos façam sentir bem”, notou.
Para preservar as capacidades cognitivas é preciso que cada pessoa opte, de uma vez por todas, por se resguardar e proteger. Entre os problemas do sono um dos que mais preocupa é a apneia do sono, onde há um défice de diagnóstico precoce segundo a profissional. “Há um défice muito grave desse diagnóstico, em especial em crianças com problemas de desenvolvimento e bebés prematuros”, sublinhou, lembrando que há uma relação muito próxima entre as cefaleias e a apneia do sono. “Acordar com dores de cabeça não é normal e é um primeiro sinal de que pode sofrer de apneia do sono”, alertou.
Trabalhar por turnos é um risco
Quem trabalha por turnos, especialmente à noite, sofre riscos elevados de sofrer ou vir a sofrer de insónia, aumento de peso, riscos cardiovasculares e de cancro, da próstata no caso dos homens e da mama no caso das mulheres, avisa Teresa Paiva. “O mesmo acontece com quem tem dois trabalhos”, alertou.
No que toca à relação entre as crianças e o sono o excesso de actividades das crianças é também um problema, vincou Teresa Paiva. Entre os quatro e os seis anos é normal existirem pesadelos, especialmente com animais e monstros. No entanto, seja em crianças ou adultos, “um pesadelo ou outro é normal” mas quando se torna recorrente é um sintoma grave. “É porque houve trauma e temos de ir procurar onde. Tem de ser resolvido. Os sonhos são óptimos para resolver os nossos problemas reais sem perigo mas quando se tornam pesadelos passam eles próprios a ser um problema”, alerta.