Devemos ter medo das doenças do coração como temos receio de um diagnóstico de cancro
A cada 15 minutos alguém morre por doença cardiovascular e, na maior parte dos casos, sem ter sofrido sintomas a anunciar a trágica sentença.
Mas, apesar dos números elevados de mortalidade, não é difícil detectar uma doença coronária precocemente e eliminar ou controlar os factores de risco, nota o médico cardiologista Jorge Guardado. Se o SNS tem capacidade para responder a todas as solicitações atempadamente isso já é outra história. Esta é uma entrevista com o cardiologista de Riachos a propósito do Dia do Doente Coronário que se assinala a 14 de Fevereiro.
A doença coronária é uma assassina silenciosa?
Cerca de metade das pessoas que tem um acidente coronário, vulgarmente conhecido por ataque cardíaco, não teve previamente sinais ou sintomas que o anunciassem. Destes, cerca de 25% podem ter um evento fatal antes de chegarem aos cuidados hospitalares especializados.
Pode ser detectada a tempo de evitar um enfarte agudo do miocárdio?
A detecção da doença coronária está facilmente ao dispor através de técnicas de imagem cardíaca e a sua repercussão funcional por testes de sobrecarga com esforço ou por farmacológicos. Prefiro o uso do TC cardíaco, que permite o diagnóstico anatómico da doença, e da ecocardiografia de sobrecarga em esforço que permite o diagnóstico do impacto funcional sobre o músculo cardíaco.
Ajudaria se os serviços de cardiologia tivessem instalados equipamentos TAC e de ressonância magnética?
Ajuda sempre ter a melhor e mais actual capacidade logística de equipamentos de imagem cardíaca. Mas sem equipas médicas dedicadas e sub-especializadas nestas técnicas de imagem, e sem facilitar e agilizar o acesso das pessoas pelo sistema convencionado pelo Serviço Nacional de Saúde [SNS], permitindo igualmente a disponibilidade da sua prescrição nos cuidados primários e no ambulatório não hospitalar, nunca terão o impacto desejado na população.
Quais são os principais factores de risco da doença coronária a que se deve estar atento?
Há os que se podem de imediato modificar porque apenas dependem de nós: tabagismo e sedentarismo. E os que se podem modificar com algum empenho pessoal e ajuda médica: diabetes, hipertensão arterial, hipercolesterolémia e obesidade. Há ainda os que não podemos modificar como os factores de hereditariedade, genéticos, revelados por história de familiares de primeiro grau atingidos prematuramente por acidentes coronários. Neste caso é primordial a atenção ao controle dos factores de risco modificáveis e diagnóstico precoce.
A média de idades no doente coronário tem vindo a diminuir?
As idades médias não se têm vindo a modificar significativamente. O início da década dos 60 anos é o ponto alto de incidência da doença sendo que os homens são atingidos em cerca de dois terços dos casos e, por norma, mais prematuramente que as mulheres, que são cerca de um terço dos casos e acabam por ser mais atingidas depois do fim da idade fértil. O processo de diagnóstico e o tratamento apresenta nas mulheres algumas peculiaridades que podem favorecer um prognóstico mais adverso.
Saúde em Portugal vive sem uma “eficiente resposta conjunta às necessidades”
Quando as artérias formam as tais placas de arterosclerose que impedem a passagem normal do fluxo sanguíneo é preciso desentupi-las. É um processo rápido a que o utente tem facilmente acesso?
No caso de um síndrome coronário agudo deve ser tão rápido quanto a situação da apresentação clínica o ditar e o electrocardiograma desempenha um papel crucial. É este exame que dá a ordem para os casos emergentes que devem ser abordados por uma equipa de cardiologia de intervenção em menos de uma hora após diagnóstico. A maioria dos outros casos agudos deve ser abordada nas primeiras 24 horas e em todos, embora com tempos diferentes pela localização geográfica do doente, o acesso é garantido pela via verde coronária; seja fora dos hospitais pelo INEM, seja nos hospitais sem cardiologia de intervenção através da transferência dos doentes para centros com capacidade de efectuar a angioplastia coronária emergente ou urgente.
O tempo de espera por uma consulta de cardiologia no SNS continua a ser elevado e preocupante com os privados a serem cada vez mais uma alternativa. Faz sentido uma solução com recurso a clínicas e hospitais privados mas com financiamento público?
Esta questão levaria-nos facilmente a um debate político que está bem aceso. O sistema público, social e privado vivem actualmente em Portugal sem uma racional abordagem da real capacidade global instalada e sem uma objectiva e eficiente resposta conjunta às necessidades. Se resolvermos este assunto pensando num Serviço Nacional de Saúde em que todos estes actores teriam as mesmas condições normativas para operar com os nossos impostos e no garante dos melhores ganhos em saúde com a menor despesa possível, responderia afirmativamente.
O Ministério da Saúde dá a devida importância às doenças cardiovasculares, as que mais matam na Europa?
Existe um foco importante da Direcção-Geral de Saúde e do SNS sobre este tema, mas nunca é demais lançar campanhas e acções sobre os cuidados de saúde.
Devíamos temer as doenças cardiovasculares como tememos um diagnóstico de cancro?
Sim, claramente. São a primeira causa de morte em Portugal apesar da redução registada nas últimas duas décadas. Actualmente, com o valor mais baixo dos últimos 70 anos, cerca de 25,9%, correspondente a 35 mil mortes, uma média de uma morte por doença cardiovascular a cada 15 minutos.
Tem notado na UCARDIO – Centro Clínico Cardiovascular uma maior procura de utentes cansados de esperar por consulta no SNS?
Sim, infelizmente. Gostaríamos que nos procurassem apenas pelo nosso ADN de centro de excelência e de qualidade no diagnóstico e tratamento, mas ultimamente procuram-nos também por incapacidade do SNS responder a tempo e horas.
Voltando atrás, o enfarte do miocárdio pode deixar sequelas para a vida?
Sim, pode. Insuficiência cardíaca é uma das grandes sequelas. A pior, dramática e irreversível, é a morte, que grande parte das vezes é súbita.
Quanto mais velho for o doente pior será, à partida, a sua recuperação?
A idade, não sendo apenas o único factor e nem sempre o mais determinante, condiciona de forma geral e tem pior prognóstico.
O que fazer perante uma pessoa que está a sofrer um enfarte?
Ajudar a vítima a ficar em segurança e chamar a assistência médica emergente (112). Ter formação e experiência em suporte básico de vida melhora a situação e se houver um desfibrilhador automático externo (DAE) por perto e capacidade para o usar aumentamos para cima de 70% a possibilidade de sobrevivência.