Biblioteca sobre rodas é um estímulo à leitura em Coruche
O projecto Coruja do Saber arrancou em Setembro de 2018 e durante cada ano lectivo a biblioteca itinerante visita várias escolas do concelho de Coruche e empresta livros também aos mais velhos. O bibliotecário municipal Norberto Esperança destaca a importância deste projecto sobretudo para a criação de hábitos de leitura.
Lara e Mariana percorrem com o olhar as estantes da biblioteca móvel de Coruche – Coruja do Saber – à procura do livro que vão levar para casa. Ambas frequentam o 2º ano da Escola Básica 1 e Jardim-de-Infância da Lamarosa, no concelho de Coruche, e querem levar para casa o livro Frozen mas só existe um exemplar na carrinha. Nenhuma quer ceder e Norberto Esperança, o bibliotecário responsável da Coruja do Saber, tem que resolver o assunto. Com uma moeda ao ar fica decidido que é Lara quem leva o livro para casa mas com a promessa de emprestá-lo a Mariana assim que o tiver lido.
Mariana não gostou de não poder levar o livro para casa e, depois de todos os meninos regressarem para a sala de aula, Norberto Esperança oferece-lhe algumas gomas para mitigar a tristeza. O assunto ficou resolvido mas o bibliotecário confessa a O MIRANTE que nunca lhe tinha acontecido um episódio semelhante. A carrinha, que dispõe de cerca de 1.500 livros, desde infantis a adultos, esteve estacionada no recreio da escola da Lamarosa numa manhã de sexta-feira solarenga apesar de ser Inverno. Norberto Esperança, de 65 anos, é técnico de bibliotecas na Câmara de Coruche há 42 anos, tendo tirado formação na área de bibliotecas.
A maior parte do seu tempo é passado na Biblioteca Municipal de Coruche, que intercala com o projecto da Coruja do Saber que percorre as escolas das freguesias do concelho e vai também ao encontro dos idosos. Em 1999 o município deu início a um projecto a que deu o nome “Um livro e um amigo” de itinerância pelas escolas. Norberto Esperança e um colega transportavam seis ou sete baús numa pequena carrinha que levavam às escolas para as crianças lerem. “Chegámos ao ponto de não conseguir dar vazão ao que nos pediam. As crianças começaram a pedir determinados livros e colecções que não tínhamos, o que era muito bom porque conseguimos incutir-lhes o gosto pela leitura e pelos livros e isso é o mais importante”, reflecte.
Em 2017 o município adquiriu uma carrinha e o projecto Coruja do Saber arrancou em Setembro de 2018. Durante todo o ano lectivo vai às escolas do concelho, excepto às da vila sede de concelho e do Couço porque aí existem bibliotecas escolares. Os mais velhos também podem ir às escolas e os professores também são clientes frequentes da biblioteca móvel. Num computador portátil, Norberto Esperança tem acesso a todos os leitores com ficha para poderem levantar e devolver livros. A Coruja do Saber também apoia na questão dos conteúdos programáticos, onde os professores pedem com antecedência os livros que precisam para servirem de apoio à aula e a equipa da biblioteca municipal entrega em mão ou faz-lhes chegar a obra solicitada.
Norberto Esperança diz gostar muito deste projecto porque aprecia o contacto com pessoas, sobretudo com os mais novos, e poder incutir-lhes o gosto pela leitura. Lamenta que, segundo estudos nacionais, os jovens estejam a ler cada vez menos livros. “Os mais novos estão muito dependentes de telemóveis e outros dispositivos móveis. Os livros desenvolvem a criatividade e estimulam o desenvolvimento do cérebro, por isso é tão importante que se leia”, sublinha.
Coruja do Saber faz companhia aos idosos dos locais mais afastados
Além de incentivar o gosto pela leitura nos mais jovens, a Coruja do Saber também o faz com os mais velhos. Norberto Esperança conta a O MIRANTE que vão a terras mais recônditas do concelho como o Nicho, na Volta do Vale, na freguesia do Couço. Lá estão cerca de uma dúzia de idosos que não falham uma visita à biblioteca móvel. “Aproveitam para pôr a conversa em dia e dizem quais os livros que mais gostaram, os que menos gostaram e recomendam obras uns aos outros. Torna-se um ponto de encontro nos dias em que lá vamos”, explica.
Norberto Esperança conta que Joaquina Chambel, de 81 anos, que vive em São Torcato, nunca falha uma visita da Coruja do Saber. O bibliotecário avisa no dia em que lá vai e à hora marcada a senhora aparece para devolver um livro e levar outro para se entreter ao serão. “Somos companhia para essas pessoas e isso é muito importante. Gosto muito de fazer isto porque se vão criando laços de amizade”, sublinha. Desses locais mais afastados é comum oferecerem-lhe couves, laranjas ou espinafres, como forma de reconhecimento pela visita.
O bibliotecário destaca a importância deste projecto sobretudo na formação de leitores e tentativa de criação de hábitos de leitura. O facto das crianças levarem o livro e saberem que têm de devolver cria regras e responsabilidade para cuidar do que não é delas, refere Norberto Esperança, acrescentando que começa a notar-se o interesse pela leitura no 3º e 4º anos de escolaridade. O bibliotecário confessa a O MIRANTE que gosta de ler mas deveria ler mais. Entre os seus livros preferidos estão “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, e “Equador”, de Miguel Sousa Tavares.