Pescadores defendem licenciamento da apanha da amêijoa
A Polícia Marítima tem apertado o cerco à apanha ilegal de amêijoa no estuário do Tejo. Em apenas um mês realizou duas grandes apreensões de amêijoa na zona da Póvoa de Santa Iria, o que veio lançar novamente o alerta sobre o negócio ilegal de muitos milhares de euros. O MIRANTE conversou com um pescador da cidade que admitiu já ter arriscado várias vezes a pesca do molusco.
Ajudar a pagar os estudos do filho na faculdade, amortizar parte do empréstimo do carro e ainda sobrar para comer durante umas semanas sem contar os tostões foram alguns dos incentivos que levaram um pescador da Póvoa de Santa Iria a arriscar apanhar amêijoa no Tejo. Uma actividade ilícita mas a que muitos ainda se dedicam e onde há de tudo: exploração laboral, falsificação de documentos e até disputas entre famílias rivais, onde tudo é feito na escuridão da noite e ao sabor da maré. O MIRANTE esteve no cais de Vila Franca de Xira a falar com quem vive da pesca mas o assunto da amêijoa é tabu. Apenas um pescador aceitou falar à nossa reportagem com a condição de lhe protegermos a identidade, por medo das redes organizadas e vergonha dos seus pares, que diz serem na sua maioria gente séria que não quer ter nada a ver com este negócio paralelo.
O pescador vive na cidade e não esconde vergonha por pescar algo que sabe que é proibido, “mas uma pessoa tem de comer e nem sempre as redes apanham peixe que valha dinheiro”, conta-nos. “Se isto fosse um país que apoia os seus ninguém tinha de se meter nisto”, critica. Já se a amêijoa é perigosa ou não para a saúde esse parece ser um argumento em que o pescador tem poucas dúvidas: “Eu próprio sempre a comi toda a vida e nunca morri. Além disso, o rio está hoje muito pouco poluído. Antigamente talvez, hoje já não. Todo este negócio existe porque é proibido. Se licenciassem a apanha da amêijoa, não só o Estado encaixava mais impostos como toda esta gente vivia melhor”.
O pescador reconhece que na Póvoa de Santa Iria são poucos os que se dedicam a esta actividade ilícita e ele próprio nem sempre o faz. “Só mesmo quando preciso porque tenho medo de quem manda nisso”, confessa, revelando que muitas vezes são redes organizadas que aparecem no bairro a desafiar os pescadores interessados para fazer uma “voltinha”. São pagos depois de a amêijoa sair com sucesso dos barcos e entrar em carrinhas que a levam para Espanha onde são depuradas e re-introduzidas no mercado nacional com falsa rotulagem da sua origem. “Chegam cá, parece que são de aquacultura e vão sobretudo para restaurantes”, revela.
Polícia Marítima a cerrar fileiras
A Polícia Marítima tem cerrado fileiras na região nos últimos meses, olhando também para a pesca ilícita do meixão, habitual nesta altura do ano (ver caixa). Na zona da Póvoa de Santa Iria as autoridades realizaram duas mega operações em Janeiro que resultaram na apreensão de 900 quilos de amêijoa já ensacada no dia 11 de Janeiro e depois, a 22 de Janeiro, outros 2.500 quilos que estavam numa carrinha pronta a seguir viagem. “Verdade seja dita, muitas vezes a nossa malta nem tem a culpa, já por várias vezes pescadores do Samouco e outros lados fugiram para aqui e deitam as amêijoas que apanharam para dentro dos nossos barcos”, lamenta o pescador, que nunca revelou quanto é que ganhou nas apanhas. Esta amêijoa invasora chega a valer 3 a 4 euros por quilo e numa maré há quem apanhe mais de 80 quilos, o que dá uma ideia dos valores envolvidos neste negócio paralelo.
O presidente da Associação Cultural Avieiros da Póvoa de Santa Iria, Fernando Barrinho, diz a O MIRANTE que o assunto é sensível porque a comunidade é composta de pescadores profissionais que, regra geral, cumprem a lei, mas nota que as autoridades existem para fiscalizar e defende que devem fazê-lo e apanhar quem não cumpra. “Não podem rotular uma comunidade inteira de 22 pescadores que vivem da pesca legalmente por causa de um caso ou outro de quem vá à amêijoa”, lamenta. “Se toda a gente cumprisse como os pescadores da Póvoa de Santa Iria as autoridades não teriam problemas”, garante.
Várias apreensões de “ouro branco”
No Tejo não é só a amêijoa que rende dinheiro à margem da lei. Nesta altura do ano a pesca da enguia europeia no estado final da sua fase larvar, conhecida por meixão e também chamada de “ouro branco”, pode render até 10 mil euros o quilo, mas a sua apanha é um crime ambiental qualificado como dano contra a natureza por ser uma espécie protegida na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção. Todos os anos, nesta altura, a apanha ilegal de meixão deixa as autoridades sem mãos a medir na caça aos infractores.
Só este mês já foram realizadas três apreensões no concelho de Vila Franca de Xira e constituídos vários arguidos. No dia 15, em VFX, outra a 16 de Fevereiro onde foram apreendidas redes e cinco quilos de meixão e uma outra, a mais recente, realizada nos dias 23 e 24 de Fevereiro, também na zona adjacente a Vila Franca de Xira, onde foram apreendidos pela Polícia Marítima redes e 13 quilos de meixão, que foram devolvidos ao rio.