Sociedade | 10-03-2024 15:00

A dura realidade do autismo fez nascer uma associação no Cartaxo

A dura realidade do autismo fez nascer uma associação no Cartaxo
Marisa e João Ribeiro com um dos filhos gémeos, Afonso, que é quem tem uma forma mais grave de autismo. Casal do Cartaxo criou associação de apoio a pessoas com espectro do autismo

O espectro do autismo caracteriza-se por dificuldades significativas na interacção social e na comunicação não-verbal, além de padrões de comportamento repetitivos e interesses restritos.

O MIRANTE conversou com um casal que tem filhos gémeos, ambos com autismo, e criou uma associação no Cartaxo para apoiar famílias que se deparam com essa realidade. Marisa e João Ribeiro consideram que faltam apoios do Estado para terapias e para apoio psicológico aos cuidadores. E confessam que foi difícil aceitar o diagnóstico.

Marisa e João Ribeiro não poderiam ter ficado mais felizes quando receberam a notícia de que iriam ser pais. Ficaram assustados quando souberam que seriam gémeos mas depressa recuperaram e a gravidez, que decorreu sem sobressaltos, foi vivida em felicidade. Afonso e Diogo nasceram em Setembro de 2003 e só depois de celebrarem o segundo aniversário é que os pais começaram a questionar-se se estaria tudo bem com os filhos. Sobretudo com Afonso, que é quem tem uma forma de autismo mais grave. “Preocupava-nos o facto de aos dois anos ainda não falarem. O Diogo dizia algumas palavras mas o Afonso não falava nada. Desconfiámos que se passava alguma coisa mas nunca nos passou pela cabeça que fosse autismo. Há 20 anos não se falava tanto em autismo como hoje”, explica Marisa Ribeiro, de 46 anos.
O casal do Cartaxo recorda que Afonso fixava muito o olhar nas lâmpadas enquanto almoçava e jantava e andava sempre a acender e desligar as luzes. Inscreveram os filhos na creche aos dois anos e foi a educadora de infância que alertou os pais. “Quando comentei com a educadora as nossas preocupações ela alertou-nos que já tinha pensado que os meninos, sobretudo Afonso, poderiam ter autismo”, recorda a assistente técnica na Junta de Freguesia de Vale da Pedra, concelho do Cartaxo.
Depois dessa conversa o casal foi ao pediatra que encaminhou os gémeos para uma consulta de desenvolvimento no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa. O diagnóstico chegou no próprio dia. Afonso tinha autismo mas as análises genéticas estavam todas normais. “Ainda me recordo da forma fria como a médica nos disse o que o Afonso tinha. Foi como uma bomba que nos caiu nas mãos. Viemos o caminho todo de Lisboa para casa a chorar, sem sabermos o que pensar. Nem conseguimos dar a notícia à nossa família”, conta João Ribeiro.
Diogo foi diagnosticado com autismo aos seis anos e o pesadelo piorou. Ter duas crianças com autismo não é a notícia que um pai e uma mãe queiram receber. Apesar de Diogo ter autismo numa forma mais ligeira ambos são dependentes. Andaram na escola até aos 18 anos e há dois anos que estão em casa. Os pais estão à espera de vaga para os filhos na Cerci Flor da Vida, em Azambuja. Até lá Marisa e João Ribeiro vão-se revezando por turnos. Agente da PSP de profissão, João Ribeiro pediu transferência de Lisboa para o Cartaxo para estar mais perto da família. Como ambos trabalham por turnos e Marisa Ribeiro consegue ficar em casa em teletrabalho têm conseguido cuidar dos filhos. Afonso e Diogo têm terapia da fala e terapia ocupacional uma vez por semana. Diogo frequenta ainda hipoterapia, actividade de que Afonso não gosta. Por mês gastam cerca de 800 euros só em terapias.
Os pais tentam não pensar no futuro mas Marisa Ribeiro garante não ser capaz de não o fazer. “A nossa vida tem sido uma luta constante. Sempre foi o que mais me atormentou desde que soubemos o diagnóstico. Uma coisa é nós estarmos cá para os apoiar; outra é quando nós não os pudermos ajudar. Custa muito pensar nisso, é uma angústia grande”, confessa Marisa Ribeiro, admitindo que vivem um dia de cada vez.

A dificuldade em aceitar o diagnóstico
Marisa e João Ribeiro decidiram criar a ASAS – Associação de Amigos das Pessoas com Perturbações do Espectro do Autismo – em 2017. Com sede no Cartaxo, o município apoiou disponibilizando uma sala na Avenida João de Deus, para que a associação pudesse funcionar. Com cerca de uma dezena de elementos a associação foi criada com o intuito de os pais se apoiarem entre si e ajudar quem recebe o diagnóstico e não sabe o que fazer. João Ribeiro recorda-se de uma avó que cuidava do neto autista porque a mãe estava emigrada. A senhora pediu ajuda porque não sabia o que fazer nem como lidar com o neto. “Ajudámo-la explicando onde se deveria dirigir e como lidar com o neto e ela entretanto ligou-nos a contar que as coisas estavam a correr bem”, conta João Ribeiro.
O grande problema, defende o casal, é que quem recebe um diagnóstico de autismo não tem preparação mental nem acompanhamento psicológico. “Como podemos cuidar de crianças com necessidades especiais se nós, cuidadores, não estivermos bem”, questionam. Depois da pandemia a actividade da associação diminuiu e querem dar-lhe novo impulso. Perderam a sede que foi necessária ao município. No entanto, continuam a apoiar quem os procura nas redes sociais e na Internet.
João Ribeiro defende que quanto mais cedo o espectro do autismo for detectado melhor porque os primeiros tempos são fundamentais para uma melhor recuperação, refere. O casal admite ser difícil aceitar o diagnóstico. “Quando temos um filho projectamos o que idealizamos para a sua vida. Quando surge o diagnóstico é preciso fazer um luto desses sonhos. Há quem não o consiga fazer, mas é fundamental”, reforçam.
Marisa e João Ribeiro lamentam a falta de apoios do Estado sobretudo apoio psicológico para os cuidadores, além dos apoios necessários para as terapias. O casal defende também uma escola inclusiva com condições para alunos com necessidades especiais. “A escola não é inclusiva na verdadeira acepção da palavra porque tem que haver condições e, sobretudo, os professores têm que ter formação para saberem lidar com este tipo de alunos. Os professores não têm culpa, mas insisto que deveriam ter formação. É fundamental para que a escola seja mesmo inclusiva”, reforça João Ribeiro.

Aumento de casos de autismo em Portugal e muitos estão por diagnosticar

O último estudo epidemiológico sobre o autismo em Portugal foi publicado em 2005 mas os dados foram recolhidos no ano 2000. Ou seja, os números até agora conhecidos têm duas décadas. Neste período, muito mudou no enfoque a esta perturbação comportamental. O próximo retrato será publicado em breve e abrange apenas crianças entre os sete e dez anos da região Centro, mas, com base nos resultados, é possível calcular a prevalência nacional. E se há 15 anos estimava-se que 0,09% da população apresentasse sinais de autismo, agora os números apontam para 0,5%, num total de cerca de 50 mil pessoas. Muitas por diagnosticar, sobretudo do sexo feminino.
Astrid Vicente, coordenadora do Departamento de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças Não-Transmissíveis do Instituto Ricardo Jorge, que esteve à frente dos dois projectos, explica, em entrevista recente ao jornal Expresso, que o aumento deve-se a mudanças na avaliação. “Há 20 anos o diagnóstico era mais estrito, mas os critérios mudaram e tornou-se mais lato”, explica.

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