Sociedade | 15-03-2024 07:00

Insónias são um problema que não se resolve com comprimidos

Insónias são um problema que não se resolve com comprimidos

Bruno Oliveira deita-se e levanta-se em três horas. Vê televisão e despacha trabalho pela madrugada. Às vezes gostava de ter um “botão para desligar”, às vezes toma comprimidos. Em Portugal, um dos países da Europa com maior consumo de ansiolíticos e sedativos, não se faz uma boa “higiene do sono” nem se trata a origem dos distúrbios, alerta o psiquiatra José António Salgado. Esta sexta-feira, 15 de Março, assinala-se o Dia Mundial do Sono.

Depois da sua rotina de sono não passar de uma média de três horas por noite Bruno Oliveira tomou a decisão de se automedicar uma vez por semana. “Pode não ser correcto, mas sinto necessidade de o fazer. Uma destas noites, depois de dormir duas horas, quando dei por mim estava a ver notícias em inglês, sem legendas, com o som da televisão desligado”. Aos 37 anos já não se lembra da última noite em que, sem medicação, dormiu oito horas ou lá perto. O problema, diz, é a cabeça que não o deixa repousar. “Gostava de ter um botão para apagar durante a noite e esquecer as preocupações”.

Grande parte das noites de Bruno Oliveira são passadas em claro a ver televisão. Às vezes aproveita para despachar trabalho e responder a emails. Se a ida para a cama acontecer às 23h00, pouco depois das duas da madrugada já está sentado no sofá de comando na mão. O caminho até esta divisão da casa é feito em silêncio, com o maior cuidado possível para não despertar a esposa e os filhos. Como não há filmes, séries ou documentários que o consigam embalar num sono nem mais nem menos profundo, ali fica, acordado, até a luz do sol entrar pela janela. “Ontem eram seis da manhã e estava a pedalar na bicicleta que tenho em casa. Passada uma hora tomei banho e fui trabalhar”.

Foi no final da adolescência que Bruno Oliveira, técnico superior a trabalhar na Câmara de Alpiarça e presidente da União de Freguesias da Parreira e Chouto começou a dormir menos. “Deitava-me de madrugada e às oito já estava de pé. Nunca fui de dormir muito”. E o tempo de sono foi encurtando até que passou de cinco para três horas, no máximo quatro. Não sabe precisar quando mas tem uma ideia que foi depois do falecimento do seu pai.

Dormir pouco nunca o incomodou ao ponto de o deixar irritado ou ansioso. Nem o derrubou até à iminência de não conseguir ir trabalhar ou ser produtivo. “Sou assim, daqueles que acha que dormir é um desperdício de tempo”. Mas que ao mesmo tempo teme que alguma doença lhe bata à porta como castigo por todas as noites ficar a dever horas à cama. “Devia dormir mais, eu sei, mas não durmo”.

Lembra-se de uma vez perguntar ao médico de família se devia tomar alguma medicação para o ajudar a dormir. Disse-lhe que não e Bruno Oliveira resignou-se até à noite em que decidiu tomar “uns comprimidos fraquinhos” não sujeitos a receita médica. E como no dia da semana em que faz a toma dorme mais que o normal resolveu ficar-se por ali e não consultar nenhum especialista. “Nem sei se associo isto a insónias”, remata.

“Há pessoas que tomam comprimidos para dormir como se fossem tremoços”

O psiquiatra José António Salgado, que é director do serviço para jovens no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (antigo Júlio de Matos) e dá consultas na AS Médica, em Santarém, alerta que “dormir sistematicamente três horas por noite é claramente insuficiente”. Embora haja pessoas que não sintam necessidade de dormir entre seis a oito horas por noite - a dita “média normal” - como é o caso dos chamados “short sleepers”, um exame do sono é uma boa ferramenta para detectar o comportamento das ondas cerebrais e alteração nas diversas fases do sono. No caso de haver distúrbio deve ser tratado o quanto antes, sublinha.

Segundo um estudo do Infarmed, divulgado em 2017, Portugal é o país da OCDE onde mais se utilizam ansiolíticos e hipnóticos. Será esta a receita certa para curar os distúrbios do sono? A resposta é dada por José Salgado: “A insónia não se trata com comprimidos para dormir exceptuando casos raros de insónia primária”. Isto porque, explica, os distúrbios do sono são “quase sempre consequência de uma outra questão subjacente”. E nessa lógica o que tem de se tratar é “a causa da dificuldade em dormir”.

“A maioria das pessoas que tem problemas na área psiquiátrica tem alterações nos padrões de sono. As pessoas deprimidas, classicamente, adormecem bem mas acordam muito cedo. Por outro lado, uma pessoa que sofre de ansiedade demora tempo a adormecer mas dorme bem”, afirma.

O que acontece demasiadas vezes e erradamente, acrescenta, é quando uma pessoa se anda a arrastar de sono e recorre ao comprimido que põe o avô ou o vizinho a dormir. E o problema de utilizar esses fármacos, geralmente do tipo benzodiazepinas, não é o uso, mas o abuso. “Há pessoas que tomam comprimidos para dormir como se fossem tremoços e ainda assim não dormem bem porque a razão de fundo nunca foi tratada”, diz, destacando que as benzodiazepinas em doses elevadas “viciam e trazem alterações ao nível da memória e cognição”.

Ter televisão no quarto não é bom para a higiene do sono

Na opinião de José Salgado a população portuguesa, no geral, “lida com o sono de forma desadequada porque não o valoriza nem dá importância à sua qualidade”. Até porque dormir bem não é o mesmo que dormir muito. “Ter televisão no quarto, por exemplo, não é bom para a higiene do sono porque o estímulo da luz vai interferir na qualidade”, diz, fazendo uma reserva quanto à toma de café ou prática de exercício físico à noite que “pode ter interferência, mas é variável de pessoa para pessoa”.

O normal é demorar entre 5 a 10 minutos, 20 no máximo, a adormecer. Quando se está, por sistema, uma hora às voltas nos lençóis a fazer um esforço para se fechar os olhos “é sinal que se tem uma perturbação”. A longo prazo e sem tratamento “podem surgir doenças potenciadas por esse mau dormir, a nível cardíaco, gástrico ou psiquiátrico. A curto prazo é praticamente inevitável a pessoa não se sentir com “fadiga, irritada, ansiosa e com alterações na concentração, memória e raciocínio”.

Casos de insónia mais graves, em que a pessoa chega a passar dias sem dormir, “apesar de muito raros, porque se acaba por adoecer e se é visto por um médico, podem causar a morte por falência física devido à exaustão extrema”.

*Texto inicialmente publicado em Novembro de 2021.

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