Sociedade | 16-03-2024 12:00

Helena Sacadura Cabral: não quero as pessoas de que não gosto no meu funeral e já mobilizei quem há-de desligar a máquina

Helena Sacadura Cabral: não quero as pessoas de que não gosto no meu funeral e já mobilizei quem há-de desligar a máquina
Helena Sacadura Cabral teve sala cheia para a apresentação do livro “Pensar Olhar Viver”

Helena Sacadura Cabral esteve na Biblioteca Municipal António Botto, em Abrantes, para apresentar o seu último livro “Pensar Olhar Viver”. Cerca de uma centena de pessoas ouviu com atenção os testemunhos da escritora e economista, que falou da sua vida e partilhou algumas histórias com o público. O MIRANTE falou com algumas pessoas que admiram a escritora e lamentam que os mais novos leiam cada vez menos.

Meia hora antes da apresentação do seu livro, Helena Sacadura Cabral está sentada junto à máquina de café da Biblioteca Municipal António Botto, em Abrantes. A sua voz e sorriso característicos não passam despercebidos. As primeiras pessoas a chegar ouvem-na atentamente. No primeiro andar, onde decorre a apresentação do livro “Pensar Olhar Viver”, há pessoas à espera da escritora. Sandra Pita, de 44 anos levou a sua filha, de seis, para ouvir Helena Sacadura Cabral. Tem três filhos e apenas com o mais velho, de 11 anos, tem mais dificuldade em incutir-lhe o gosto pela leitura, embora admita que não vai desistir.
A seu lado está Adília Silva, de 42 anos, também enfermeira. No colo tem um exemplar do livro que vai ser autografado pela autora no final da sessão. Ambas concordam que actualmente é muito difícil colocar os mais novos a ler. As novas tecnologias, sobretudo a internet, tiraram lugar aos livros e vai ser difícil inverter este ciclo, referem. Tanto Sandra Pita como Adília Silva são admiradoras de Helena Sacadura Cabral e por isso não quiseram perder a oportunidade de a conhecerem.
Na primeira fila estão as professoras aposentadas Helena Bicho e Maria Luís, de 74 e 70 anos, respectivamente. Helena Bicho confessa que admira o sorriso e a maneira como Helena Sacadura Cabral encara a vida. Maria Luís considera que qualquer pessoa que esteja a passar por um momento menos bom se falar com ela revive. As antigas professoras admitem que, há muitos anos, se estão a perder hábitos de leitura entre os mais jovens. “Vai ser muito complicado colocar os jovens a ler mais hoje em dia. Com a internet é mais difícil fazer com os mais novos se interessem pela leitura, embora seja fundamental para a construção do pensamento e da memória dos mais jovens. Sem a leitura não é possível, por exemplo, alguém um dia Governar o país. Devemos ler para adquirirmos espírito crítico e acima de tudo conhecimento”, diz Helena Bicho, enquanto Maria Luís garante não haver nada como folhear e cheirar o papel dos livros.

Tirou curso contra vontade do pai
A sala encheu para ouvir Helena Sacadura Cabral. “Um ano depois do início da pandemia comecei a ficar muito chateada porque não tinha nada para fazer. Decidi voltar a estudar Matemática e escrevi o livro em jeito de diário, com as coisas que me iam acontecendo e também sobre as memórias da minha vida. Com este livro houve necessidade de me libertar das minhas amarras. Não quero ser apenas a mãe do meu filho”, confessou Helena Sacadura Cabral, mãe dos políticos Paulo Portas e Miguel Portas.
Nascida numa família numerosa, o seu pai nunca quis que prosseguisse os estudos. Teimosa e com o apoio da sua mãe, candidatou-se a uma bolsa para estudar Economia no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Contra a vontade do seu pai conquistou a bolsa tendo sido a melhor aluna do seu curso. “Como era orgulhosa não quis pedir dinheiro ao meu pai para estudar por isso comecei a dar explicações de Francês e Matemática. No primeiro dia do curso entrei na universidade com trancinhas e soquetes. Gozaram tanto comigo que no ano seguinte entre de salto alto vermelho, vestido justo vermelho e os colegas que gozaram comigo estenderam a capa e batina no segundo para eu entrar na universidade”, contou com uma gargalhada bem sonora, arrancando aplausos da assistência.
Helena Sacadura Cabral foi a primeira mulher a trabalhar no Banco de Portugal como economista, onde trabalhou até aos 49 anos. Conta que tinha a perfeita noção que, naquele tempo, nunca passaria de directora naquela instituição e quis fazer outras coisas. O seu primeiro artigo escrito foi no Diário de Notícias, onde continuou a escrever. “Com este livro partilho as minhas emoções e forma de pensar. Todos temos o nosso caminho de felicidade. Cabe a cada um de nós encontrá-lo, mesmo com os obstáculos e dificuldades. Este é o livro da minha vida”, afirma, confessando que a maior dor da sua vida foi a morte do seu filho Miguel Portas, em 2012, aos 52 anos, vítima de cancro do pulmão.
Aos 89 anos Helena Sacadura Cabral diz ter vivido com alegrias e tristezas, como todas as pessoas, mas que sempre soube dar valor à vida, que considera uma dádiva. Tentou aprender piano, a pedido do seu pai, mas foi um desastre. Gosta de tricô e cozinhar. É pontual e detesta ter de esperar ou fazer esperar, o que diz ser uma desconsideração. Zanga-se “imensas vezes” com o filho, Paulo Portas, por este não ser pontual. Já tem o testamento feito e já decidiu quando lhe devem desligar as máquinas. “Se for necessário já determinei quem decide quando desligar as máquinas que me ligam à vida e uma cunhada está responsável por afastar as pessoas de que não gosto do meu funeral. Estou pronta para quando tiver de ir”, admite sem pudores.

Maria Isabel Simão e o vereador Luís Dias com a economista e escritora

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