Sociedade | 20-03-2024 07:00

Há cinco anos que morador sem pernas do Forte da Casa aguarda por justiça

Há cinco anos que morador sem pernas do Forte da Casa aguarda por justiça
A vida de Ricardo Cupertino do Forte da Casa continua a piorar e a justiça não está a ajudar

Mais um ano se passou sem que os tribunais consigam dar resposta ao drama em que vive Ricardo Cupertino, morador do Forte da Casa, que foi despedido pela junta de freguesia. Sem as duas pernas, que perdeu num acidente quando era jovem, ficou sem trabalho após processo disciplinar por alegada violação do dever geral de assiduidade. Uma decisão que contesta.

“Estou muito desiludido com isto”, diz a O MIRANTE com voz embargada Ricardo Cupertino, morador do Forte da Casa que perdeu as pernas num acidente, foi despedido pela junta de freguesia onde trabalhava e hoje vive com dificuldades. Mais um ano se passou sem que a justiça e os tribunais tenham conseguido dar resposta ao seu caso. São já cinco anos de espera para Ricardo Cupertino, que continua a viver da Prestação Social para a Inclusão (PSI) da Segurança Social, que tem um tecto máximo de 316 euros, e vai-lhe valendo a ajuda do pai e de alguns vizinhos. “Nunca mais houve um contacto, uma palavra de conforto, nada. Continuo à espera que o tribunal decida. Acho isto indigno”, critica a O MIRANTE.
Ricardo Cupertino espera sentado, na cadeira de rodas em que se desloca, por uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa, referente ao processo de despedimento de que foi alvo por parte da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa. O processo deu entrada no tribunal em 2019 mas desde então não tem tido grandes desenvolvimentos, à excepção da pronúncia da junta de freguesia em 2021. Desde essa altura está para decisão do juiz mas sem previsão de quando isso possa acontecer.
“Não se admite na nossa justiça um processo estar tanto tempo encalhado num tribunal sem novidades e sem se saber nada. Na junta deram-me um chuto no rabo e mandaram-me embora com uma mão à frente e outra atrás. Não se despede uma pessoa assim sem mais nem menos”, lamentou Ricardo Cupertino a O MIRANTE.

“Uma falta de respeito”
Para o morador do Forte da Casa, a demora na justiça é uma falta de respeito por quem hoje não consegue encontrar trabalho e vive na casa dos pais com apoios sociais escassos. Ricardo Cupertino perdeu as duas pernas num acidente ferroviário em Santa Apolónia quando tinha 17 anos. Viu as pernas serem decepadas no fosso existente entre as composições e a plataforma enquanto saía do comboio. Na altura trabalhava num supermercado e o caso foi considerado acidente de trabalho. Uma infelicidade que ainda hoje lhe embarga a voz e que lhe mudou a vida para sempre.
Meses depois do acidente entrou na junta de freguesia onde trabalhava na secção de contabilidade, tesouraria e orçamento. Esteve na junta durante duas décadas e devido à gravidade dos ferimentos sempre foi precisando de intervenções cirúrgicas recorrentes, o que levava a prolongados períodos de baixa. Durante 15 anos foi trabalhando a espaços, uns meses a trabalhar e outros de baixa enquanto recuperava.
A junta de freguesia, à data presidida por Jorge Ribeiro (PS), alegou que num dos momentos o trabalhador não apresentou toda a documentação que era exigida para poder ficar ausente do serviço, nomeadamente as baixas médicas, e decidiu, em reunião de executivo de 21 de Março de 2018, abrir-lhe um processo disciplinar. Ricardo Cupertino não compareceu nas audiências do processo disciplinar, alegadamente por se encontrar fora da sua residência a realizar tratamentos quando foi notificado; e por isso, em reunião da junta realizada em 19 de Dezembro de 2018, foi deliberada a sanção disciplinar de despedimento, por se entender que o comportamento do arguido inviabilizava a manutenção do vínculo de emprego público por violação do dever geral de assiduidade. Um ano depois a junta abriu um novo concurso público para contratar um trabalhador para realizar as funções que Ricardo Cupertino desempenhava.
Ricardo Cupertino não se conformou e recorreu à justiça. Pede que o tribunal lhe reconheça o direito a ir para a reforma e que seja indemnizado pelo despedimento, que considera ilegal e indigno. Contactada por O MIRANTE em Maio do ano passado, a actual presidente da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, Ana Cristina Pereira (PS), lamenta a situação de Ricardo Cupertino lembrando, no entanto, que um trabalhador tem direitos e deveres e que este “incumpriu com alguns” desses deveres. “Todos lamentamos a situação”, considerou a autarca, criticando a lentidão do processo em tribunal. “A nossa justiça é lenta e isso não é desejável”, criticava.

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