Falta de lampreia no Tejo com impacto na actividade turística
A época da lampreia tem sido para esquecer, seja para quem se dedica à sua pesca nas águas do Tejo seja para quem a procura nos restaurantes da região. O ciclóstomo é cada vez mais raro o que leva os preços a dispararem.
A escassez de lampreia no Tejo tem deixado os pescadores de mãos vazias e a actividade turística também se tem ressentido, com cada lampreia a chegar aos 140 euros e com municípios a cancelarem os festivais dedicados ao ciclóstomo. “Este ano só apanhei duas e comi-as em casa mas há aí pescadores que ainda não apanharam nenhuma e andam aí quase todas as noites”, disse à Lusa Rui Ferreira, pescador em Tancos, Vila Nova da Barquinha, que não escondeu o desalento por mais um ano de escassez de lampreia e por não poder satisfazer os pedidos dos restaurantes seus clientes.
Com 60 anos de vida e 40 de pescador, Rui Ferreira diz que nunca se viu nada assim no Tejo, numa situação “100 vezes pior” que a do ano passado e cujas causas atribui às “redes que apanham tudo”, metidas no rio para a apanha do meixão (enguia bebé), uma prática ilegal, e aos siluros e outras espécies invasoras, que “comem tudo”.
Apesar da época alta para a desova, e com o “rio limpo e com bom caudal”, a lampreia “não aparece e não justifica andar aqui desde Janeiro a gastar combustível todas as noites para não apanhar nenhuma”, indicou-nos ao telefone, em plena faina. “Estou a sair do Tejo mas fui às fataças, nem fui à pesca da lampreia. Os restaurantes, neste momento... não há para meter. Este ano não meti lampreias em lado nenhum”, contou, sem esperanças de apanhar lampreia esta época.
O Almourol, em Tancos, um dos restaurantes especializado em peixe do rio e muito procurado por ocasião da época da lampreia, é um dos espaços que se ressente com a escassez do ciclóstomo onde “a procura é muita e a oferta é pouca”, contou à Lusa o seu proprietário, também cliente do pescador Rui Ferreira. “Até agora, em pleno mês de Março, só consegui comprar quatro lampreias do Tejo e a 140 euros cada uma”, indicou José Ferreira, com “clientes de todo o país em lista de espera” por uma oportunidade de saborear a lampreia.
Segundo o empresário, “cada lampreia pode dar para três a quatro pessoas, com os preços a variarem entre os 60 e os 65 euros” a dose, sendo a mesma servida em oito postas, de cabidela, salteada com azeite e alho, ou no forno, com batatas e legumes. “Tenho clientes e grupos em espera de todo o país, mas só servimos lampreia por reserva e só nos comprometemos com o serviço na véspera ou antevéspera”, indicou.
No concelho de Vila Nova da Barquinha, a 30ª edição do peixe do rio decorreu até meio deste mês, mas só dedicada ao sável, com o festival gastronómico de Tomar a servir lampreia mediante a disponibilidade e sob reserva prévia, e com o município de Mação a abdicar mesmo de realizar o evento.
Mais a montante, na freguesia do Pego (Abrantes), o restaurante Túlipa debate-se com o mesmo problema da escassez de oferta para atender ao volume de procura, tendo o proprietário afirmado à Lusa que, “até agora”, conseguiu comprar um total de nove lampreias, mas nenhuma do Tejo. “Está muito escasso e está caríssima, consegui comprar apenas nove lampreias até agora, a 85 euros o quilo, o que dá uma média de 120 a 130 euros cada lampreia, e só consigo aceder a alguns pedidos, muito poucos, mediante reserva”, disse António Larguinho.
O “elevado preço da compra reflete-se na venda”, embora a margem de lucro seja “diminuta”, indicou. “Não dá muita margem de lucro, estou a vender a dose a 50 euros, com quatro postas grossinhas, seja à bordalesa, de cabidela, ou com arroz branco em separado, mas há muita procura e não temos capacidade de resposta”, afirmou António Larguinho.
Mais a montante do rio, em Ortiga (Mação), Francisco Pinto, pescador profissional há 35 anos e com restaurante próprio junto à barragem, diz que este ano só apanhou duas lampreias e que foi abaixo do açude de Abrantes. “Aqui à Ortiga não chega nada. Onde tenho pescado é para baixo do açude de Abrantes e mesmo aí não há nada. A malta aí de baixo não tem apanhado nada. Apanha-se uma ou outra, uma coisa residual. Já fui uma dúzia de vezes, apanhei duas lampreias esta época toda, foi a minha pescaria. No ano passado também apanhei só meia dúzia delas, foi miserável”, contou Francisco, que sempre viveu da pesca e abastecia de lampreia clientes e o próprio restaurante.
Hoje, quando tem para vender, cada dose no restaurante ‘A Lena’ custa cerca de 60 euros, com a refeição toda incluída. “Tenho o telefone sempre a tocar, as pessoas a perguntar, e já não faço reservas nem nada. Isto está muito difícil. Está muito difícil de sobreviver da pesca como fazíamos antes. Está muito complicado”, lamentou o pescador e empresário.
Com a época da desova a decorrer, Francisco ainda mantém a esperança em dias melhores e de regressar do rio com lampreia nas redes. “Ao preço que estão, se conseguir apanhar uma lampreia ou duas é muito dinheiro. Elas estão caríssimas, cerca dos 120, 130 euros cada lampreia”, contou. “É a minha vida, tenho de ir. Tenho de ir lá experimentar. Vamos lá a ver, pode ser que melhore alguma coisa, mas as perspectivas não são nada boas”.