Sociedade | 03-04-2024 18:00

Funcionários escolares também são parte integrante do processo educativo

Funcionários escolares também são parte integrante do processo educativo
Maria José Ilaco e Elsa Matias são assistentes operacionais no Agrupamento de Escolas Marcelino Mesquita do Cartaxo e na Escola Secundária Jácome Ratton, do Agrupamento de Escolas Templários, em Tomar, respectivamente

Maria José, Elsa Matias e Nazaré Lopes são o rosto de milhares de funcionários que diariamente mantêm as escolas a funcionar. A propósito do Dia do Estudante O MIRANTE foi ouvir estes três testemunhos ao Cartaxo, a Tomar e a Vila Franca de Xira, de como é hoje estar na profissão que escolheram seguir há largas décadas.

São insuficientes para as necessidades, recebem baixos salários, não sentem a profissão valorizada. Este é, em linhas gerais, o retrato dos funcionários escolares neste país que tem, ao longo dos anos, motivado greves e desincentivado a entrada na profissão. Mas não há escola que funcione sem estes assistentes operacionais que são também o ombro amigo, a voz que educa e pacifica e o ouvido que escuta os desabafos mais envergonhados dos adolescentes. É por isso que este ano, para assinalar o Dia Nacional do Estudante, O MIRANTE lhes dá voz através de três testemunhos escutados em diferentes agrupamentos da região, nos concelhos de Tomar, Cartaxo e Vila Franca de Xira.
Maria José Ilaco, 68 anos, é assistente operacional do Agrupamento de Escolas Marcelino Mesquita do Cartaxo desde que este foi fundado há 20 anos tendo passado por várias escolas. Actualmente responsável pelo ginásio da Escola Básica Marcelino Mesquita completa, em Setembro, 37 anos de serviço numa profissão que é, na sua opinião, pouco valorizada a começar pelo salário que só este ano viu subir para cerca de mil euros, compensando o aumento dos preços que há muito já se fazia sentir. Além disso, prossegue, desengane-se quem pensa que ser funcionário é sinónimo de ter “trabalho bom e descansado”. A profissão é exigente e obriga a muito jogo de cintura e paciência para lidar com crianças e jovens, cada qual com a sua educação. São frequentemente postos à prova como, por exemplo, em situações como a que levou à interrupção desta conversa, com Maria José a ter de intervir perante um grupo de alunos que forçava a porta do ginásio.
Mais a norte, no concelho de Tomar, Elsa Matias, funcionária na Escola Secundária Jácome Ratton, do Agrupamento de Escolas Templários em Tomar, refere que embora sinta que o seu trabalho é valorizado pela sociedade, essa valorização não se reflecte monetariamente por consequência do congelamento de carreiras, que acabou por ter consequências desastrosas como ter tornado a profissão pouco atractiva para quem está a entrar no mercado de trabalho.
Sem entrar em detalhes salariais, para a coordenadora geral dos assistentes operacionais na Escola Dom Martinho Vaz de Castelo Branco, na Póvoa de Santa Iria, Nazaré Lopes, o que mais entristece é o facto de, para os pais, as assistentes operacionais ainda serem vistas como empregadas de limpeza e as que não deixam os alunos sair da escola nos intervalos. “As pessoas não dão valor ao nosso trabalho. 90% dos pais não tem noção do trabalho que envolve uma escola; e como não sabem não valorizam”, refere a funcionária de 60 anos que está há 27 na profissão.

Telemóveis substituíram conversas e brincadeiras
Sem rodeios, Nazaré Lopes partilha que é contra o uso de telemóveis na escola que, na sua óptica, roubam o tempo de brincadeira nos intervalos. O mais comum, descreve, passou a ser ver alunos sentados nos corredores, cada um a olhar para o ecrã do seu telemóvel, gesto que se estende às refeições na cantina e que acabou com os momentos de convívio, conversa e partilha. As próprias instalações escolares eram diferentes, com menos crianças que passavam menos tempo na escola e com professores e funcionários mais novos.
Também na opinião de Maria José Ilaco, os telemóveis travam os relacionamentos entre os jovens. “Até depois de entrarem no ginásio não os largam”, desabafa com tristeza a funcionária que, noutros tempos, estava habituada a ver os alunos a interagir uns com os outros e com as próprias funcionárias. Uma prática que se foi perdendo no tempo mas que ainda acontece com alguns a chegarem mais cedo ao ginásio para conversarem com ela sobre os estudos, a família e problemas que os atormentam.
Assistente operacional há três décadas, Elsa Matias tem uma visão contrária. Dizem-lhe os seus anos de experiência que os alunos sempre foram irreverentes e que hoje até demonstram mais vontade para se relacionarem com os assistentes operacionais. “Costumo dizer que somos uma extensão da família. Os alunos contam-nos coisas que às vezes nem aos próprios pais tiveram coragem de contar e, nessas alturas, ajudamo-los criando um elo de ligação”, admite, enumerando situações como doenças e desgostos amorosos.

Ex-alunos visitam e agradecem
A assistente operacional confessa que há alunos que a marcam pelo relacionamento próximo construído ao longo dos anos. Alguns, confessa com orgulho, são como família e continuam a visitá-la mesmo já tendo terminado o seu percurso naquela escola. “Esta profissão continua a fazer-me sentir jovem por lidar diariamente com os alunos”, confessa Elsa Matias, acrescentando que sabe que já fez a diferença na vida de alguns alunos que, anos mais tarde, fazem questão de lhe agradecer pela ajuda em momentos difíceis.
No leque de histórias que tem com alunos Nazaré Lopes lembra-se dos mais reguilas. Hoje são adultos e visitam-na na Dom Martinho. Um até confessou que era o autor dos telefonemas a dizer que havia uma bomba na escola para que as aulas fossem interrompidas. Quando lhe perguntamos o que gostava de ver de diferente, a coordenadora geral dos assistentes operacionais defende que os professores deviam ter mais tempo direccionado para os alunos em vez de estarem imersos em burocracias e projectos paralelos. As próprias medidas que são da responsabilidade do Governo não têm, na sua opinião, em conta a realidade porque são feitas dentro de gabinetes. A juntar a isso, por seu turno, Maria José Ilaco entende que devia haver um apoio maior aos alunos com carências económicas, por exemplo, com a criação de uma sala de estudo extra escola com um professor pago pelo Estado, para ajudar os alunos cujos encarregados de educação não podem pagar a um explicador.

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