Sociedade | 23-04-2024 15:00

Jaime Fernandes passou o 25 de Abril preso na cadeia de Caxias

Jaime Fernandes passou o 25 de Abril preso na cadeia de Caxias
Jaime Fernandes na Sala de Leitura Bernardo Santareno, em Santarém, onde falou sobre a sua reclusão em Caxias

Jaime Fernandes, natural de Santarém, recorda-se perfeitamente de onde estava no 25 de Abril: encontrava-se encarcerado no Forte de Caxias, juntamente com muitos outros opositores da ditadura. Os presos políticos souberam da revolução de 25 de Abril de 1974 quando o antigo regime já estava deposto e só foram libertados dois dias depois.

Jaime Fernandes, natural de Advagar, no concelho de Santarém, foi um dos mais de dez mil opositores à ditadura do Estado Novo que estiveram encarcerados no Forte de Caxias e o primeiro preso político a ser autorizado a sair para o pátio exterior da tristemente célebre cadeia, um dia depois do golpe militar de 25 de Abril de 1974. Um momento de alegria esfuziante documentado com imagem e texto no livro “Cadeia de Caxias – a repressão fascista e a luta pela liberdade”, que foi apresentado este mês em Santarém.
O antigo preso político, nascido em 1947, conta que, no dia 25 de Abril, o regime já estava deposto e os presos ainda não sabiam de nada. Só pelas dez da noite uma mensagem codificada, com recurso a toques de buzina de um automóvel, anunciou que tinha havido um golpe de Estado. Mas sem clarificar de que tendência, o que deixou os presos num sobressalto: tanto podia ser do MFA como da extrema-direita. “Passámos uma noite terrível, angustiados”, recordou o antigo preso político, que no dia 11 de Abril apresentou, na Sociedade Recreativa Operária de Santarém, o seu livro “Em Abril águas mil” sobre a resistência à ditadura.
Os presos políticos de Caxias só foram libertados na madrugada de 27 de Abril, devido a divergências no seio do Movimento das Forças Armadas (MFA). “Foi uma alegria enorme”, recorda. “Estava muita gente cá fora à espera e aí é que foi a festa”, conta. As imagens dessa madrugada junto à cadeia de Caxias correram mundo e Jaime Fernandes foi um dos protagonistas.

Juventude em luta contra a ditadura
Jaime Fernandes, professor aposentado que actualmente vive na Ericeira e já não tem família em Santarém, recorda a O MIRANTE que na aldeia a família vivia do comércio e da agricultura. Depois de frequentar a escola primária foi continuar os estudos em Santarém, para onde a família foi viver após adquirir a Pensão Lusitânia. Muitas das amizades criadas na aldeia perduram até hoje. “Apesar da separação física durante décadas, quando me encontro com alguns desses amigos é como se estivesse estado com eles no dia anterior. Ainda guardo muitas memórias da aldeia”, descreve.
Durante a juventude em Santarém, Jaime Fernandes diz que viveu momentos empolgantes. “Foi dos períodos mais ricos da minha vida e que me marcaram para sempre. Foi certamente o período em que me senti mais útil à sociedade pelo facto de ter contribuído com todas as minhas capacidades para o derrube da ditadura”. Foram muitos os jovens unidos nessas lutas que desenvolviam por toda a parte: “Era no Círculo Cultural Scalabitano, era na Cineclube, era na Académica, era nos Caixeiros, era nos cafés… São inesquecíveis as tertúlias, as sessões de poesia, os debates dos filmes, as peças de teatro, as conferências, os debates”.
Jaime Fernandes participou nas campanhas eleitorais pela oposição democrática, integrado nas comissões democráticas eleitorais do distrito de Santarém, em 1969, e do distrito de Lisboa, em 1973, aqui já depois de ter passado a primeira temporada na prisão. Em 1971, quando cumpria o serviço militar, foi preso pela polícia política e condenado a 22 meses de cadeia, que cumpriu no Forte de Caxias e no Presídio Militar de Santarém. Voltaria novamente a ser preso, no Forte de Caxias, de onde seria libertado pelo Movimento das Forças Armadas em 27 de Abril de 1974.
Hoje olha para a sua cidade e considera que teria sido importante aproveitar-se o capital histórico no campo das artes, sobretudo na área da música, do teatro e do bailado, a que se poderiam posteriormente acrescentar outras, como as artes plásticas e o cinema, e fazer de Santarém um grande centro de artes. Considera importante a localização de residências universitárias no centro histórico, para a sua revitalização, bem como a melhoria do transporte ferroviário entre Santarém e Lisboa.

“Há sempre alguém que diz não”
Depois de se ter aposentado, Jaime Fernandes ficou mais disponível e, para além de escrever, reaproximou-se de Santarém, bem como da sua aldeia. “Nos três livros que escrevi, a cidade de Santarém e a minha aldeia estão sempre presentes de forma evidente”, vinca. Diz que Santarém tem sabido honrar a memória do 25 de Abril e de Salgueiro Maia, embora seja sempre possível fazer mais. “Tenho acompanhado com alguma frustração o ritmo muito lento da fundação do prometido Museu de Abril. À medida que o tempo vai passando as memórias e os objectos vão-se perdendo no tempo e no espaço, empobrecendo os seus conteúdos”, considera.
Quanto à relação dos jovens com o 25 de Abril, declara: “Os jovens andam deslumbrados com as novas tecnologias e o que elas trazem de novo. E isso não teria nada de mal, antes pelo contrário, se os conteúdos não fossem alienantes. Os grandes poderes, que controlam isto tudo, vão usando essas novas ferramentas para seu benefício, entretendo, entretendo, entretendo… para que os seus poderes não sejam postos em causa. Mas antes havia outras formas de alienação. Contudo, há sempre alguém que diz não…”.

Um professor aposentado dedicado à escrita

Jaime Fernandes trabalhou como documentalista nos jornais A Capital e Diário de Notícias durante uma dúzia de anos, tirou o curso de Geografia na Universidade de Lisboa, em 1985, tendo posteriormente sido professor até se aposentar. “Como a actividade de professor é muito absorvente a actividade política era restrita. Contudo, nunca deixei de participar em actividades políticas e de cidadania sempre que sentia motivação para tal”, afirma. “Os Canhões de Santarém que floriram em Lisboa” é outro dos seus livros com foco no 25 de Abril.

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