Sociedade | 27-04-2024 15:00

Primeiros autarcas após o 25 de Abril tinham quase tudo por fazer

Primeiros autarcas após o 25 de Abril tinham quase tudo por fazer
Raul Violante esteve na primeira comissão administrativa que geriu a Câmara de Santarém após a revolução. Foi mais tarde vereador eleito e hoje é presidente da Junta de Freguesia de Pernes

Os municípios e juntas de freguesia no tempo da ditadura eram estruturas sem grande autonomia, financiamento e capacidade de realização. Não admira que uma das primeiras medidas dos novos autarcas em Santarém tenha sido instalar iluminação pública numa zona da cidade. As insuficiências na rede viária, abastecimento de água, saneamento básico ou recolha de lixo eram predominantes.

A colocação de iluminação no caminho que ligava o centro de Santarém ao Colégio Andaluz, onde hoje está a sede do Politécnico de Santarém, foi dos primeiros trabalhos a que deitou mãos a comissão administrativa que passou a gerir a Câmara de Santarém após a revolução de 25 de Abril de 1974. O caminho era de terra batida e não se falava sequer em alcatroar esse percurso que ligava a, hoje, populosa zona do Sacapeito ao centro da cidade.
Meio século depois tudo mudou. Nessa zona cresceu uma nova cidade e o poder local transformou-se de formiga em elefante. Em 1974, a Câmara de Santarém não tinha nos seus quadros técnicos, designadamente engenheiros, arquitectos ou juristas. O encarregado geral era uma espécie de figura todo-poderosa e o homem das obras e licenças, os profissionais liberais que tinham avenças com a câmara para dar os seus pareceres. O advogado Leonardo Ribeiro de Almeida, que viria ser presidente da Assembleia da República, ia uma vez por semana à câmara como consultor.
Este cenário foi retratado por um homem que viveu nesses dois mundos. Raul Violante, então um jovem licenciado em Finanças que era professor no Liceu de Santarém enquanto esperava que o chamassem para a tropa, foi um dos elementos da primeira comissão administrativa da Câmara de Santarém no pós-revolução. Contava 24 anos e tinha como líder o carismático farmacêutico Francisco Pereira Viegas, pai do actor Mário Viegas. Mais tarde, na segunda metade da década de 1990, Raul Violante foi vereador na Câmara de Santarém e hoje é presidente da Junta de Freguesia de Pernes, eleito pelo PS.
A constituição da comissão administrativa que geriu o município escalabitano após a revolução teve a mão da Comissão Democrática Eleitoral (CDE), força política já com experiência dos tempos da ditadura e que agregava muitos nomes da oposição democrática. O advogado João Luiz Madeira Lopes foi um dos que teve a responsabilidade de garantir a transição do poder na Câmara de Santarém e nas juntas de freguesia em articulação com o Movimento das Forças Armadas (MFA), representado em Santarém pelo então capitão Joaquim Correia Bernardo.
As estradas intransitáveis, o abastecimento de água, o saneamento básico, a recolha de lixo eram os problemas mais prementes com que se depararam os estreantes autarcas quando tomaram posse a 27 de Maio de 1974, perante uma multidão que encheu o Largo do Município. As insuficiências ao nível das infraestruturas básicas eram enormes. Estava quase tudo por fazer, sobretudo nas freguesias rurais. Por isso, Raul Violante não hesita ao classificar o poder local, a par com o direito de voto para todos, como duas grandes vitórias do 25 de Abril.

Cenário nas freguesias ainda era pior
Na conferência “O 25 de Abril e o Poder Autárquico”, que decorreu na tarde de 19 de Abril no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Santarém, organizada pelo Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão, o autarca de Pernes referiu que se a realidade nos municípios antes do 25 de Abril era paupérrima, nas juntas de freguesia era ainda pior. A maior parte das juntas não tinham sede física. A escrita e outros documentos eram habitualmente guardados em casa do presidente da junta. Muitos desses arquivos desapareceram com o andar do tempo.
“Não surpreende que muitas juntas de freguesia não tenham fontes históricas. Perdia-se muita documentação na transição de presidentes”, diz Raul Violante, adiantando que o livro de actas mais antiga da Junta de Pernes é de 1938. Os orçamentos das juntas de freguesia eram também irrisórios. Em 1974, o subsídio dado pela Câmara de Santarém às juntas de freguesia de maior dimensão era de 10 mil escudos anuais (sensivelmente 50 euros).

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