O pós-revolução na linguagem própria da Voz da Fátima
A linguagem usada no mensário oficial do Santuário de Fátima, nos meses pós-revolução, era difusa sobre a acção militar que levou à queda do antigo regime, com poucas explicações e mensagens pouco esclarecedoras.
O leitor mais desprevenido que, em 1974, tentasse obter informações sobre o 25 de Abril e as suas repercussões na Igreja, em particular no Santuário de Fátima, através do órgão oficial da instituição, encontrava algumas dificuldades. Nas páginas da Voz da Fátima, mensário oficial do Santuário, a linguagem usada nos meses pós-revolução é difusa sobre a acção militar que levou à queda do regime, com poucas explicações e mensagens pouco explícitas.
O director do Departamento de Estudos do Santuário, Marco Daniel Duarte, em entrevista à agência Lusa assume que “essa é a linguagem típica da imprensa católica da época”. “Há quase como que um desviar do próprio nomear do acontecimento do 25 de Abril. É, de facto, sempre dito ‘os acontecimentos recentes’, ‘os acontecimentos que assolaram o país’, ‘os acontecimentos que estamos a viver’. E isso diz respeito a uma posição defensiva da Igreja perante os cenários que estavam a ser desenhados”, afirma.
No número de 13 de Maio de 1974, na página dois é publicada apenas uma pequena breve sobre a reunião da Conferência Episcopal que decorria em Fátima no dia 25 de Abril, mas sem qualquer referência à revolução. No número seguinte, de Junho, é publicada a homilia que o cardeal António Ribeiro proferira na peregrinação de Maio. Sempre sem se referir explicitamente ao 25 de Abril, o cardeal António Ribeiro preconizava que “a nova ordem social terá de assentar na verdade e na justiça, na liberdade e no amor e na paz. São estes, por certo, os valores que presentemente se anunciam e, diante de tal anúncio, nenhum cristão deixará de se alegrar”.
“Será Fátima anticomunista?”
Em Setembro, a última página da Voz da Fátima dava conta de “uma grande campanha para a liberalização do divórcio em Portugal”. “Não é de agora. Vinda da Primeira República, um tanto abafada durante o regime de Salazar, começou a tomar vulto por volta de 1965, com a fundação do Movimento Pró-Divórcio. Mas foi a partir do 25 de Abril, favorecida pelo actual clima reivindicativo e libertário, que a campanha assumiu proporções que não deixarão de impressionar a opinião pública e as próprias autoridades civis e religiosas”, lia-se no jornal do santuário. O título era um alerta: “Para os católicos sinceros o divórcio não traz solução”.
Em Novembro, era dada nota da necessidade de se evitar “o aproveitamento abusivo de Fátima como arma anticomunista, aproveitamento que poderia desvirtuar a mensagem da Fátima (segundo a qual a conversão da Rússia está dependente da nossa própria conversão)”, ao mesmo tempo que se considerava ser uma “traição a Fátima calar-se o pedido de Nossa Senhora em favor da conversão da Rússia, como se o mesmo não fosse lugar central da Mensagem, e as intenções sociais dos regimes políticos pudessem fazer esquecer o seu ateísmo militante”. E o ano de 1974 terminou na Voz da Fátima com a manchete “Será Fátima anticomunista?”.