Consulado do Brasil em Santarém durou 20 anos e desapareceu sem se dar por isso
A representação diplomática que visava reforçar os laços históricos entre Santarém e o Brasil acabou em plena pandemia por determinação do Governo brasileiro. Joaquim Bostas Castanho, que foi cônsul honorário durante duas décadas, reconhece que se tratava de um cargo pouco mais do que simbólico.
O consulado honorário do Brasil em Santarém foi desactivado há três anos sem grandes ondas, por determinação do Ministério das Relações Exteriores do Governo brasileiro liderado por Jair Bolsonaro. Pôs-se assim fim, em plena pandemia, a duas décadas de actividade em que essa estrutura diplomática, instalada na Casa do Brasil em Santarém, teve como responsável Joaquim Botas Castanho, figura conhecida e respeitada na cidade, onde foi vice-presidente do município.
Botas Castanho recorda que no ano de 2021 o Consulado Honorário do Brasil em Santarém deixou de surgir na lista do corpo diplomático acreditado em Lisboa. O antigo cônsul honorário refere que não foram dadas grandes explicações por parte das autoridades brasileiras para essa medida; e ele também entendeu não as pedir, por considerar que devia ser a Câmara de Santarém a solicitar esclarecimentos, por ter isso a entidade que propusera, em finais do século XX, a criação dessa representação.
O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, diz a O MIRANTE que o município fez algumas diligências para tentar reverter a decisão e que chegou a reunir com o embaixador do Brasil em Lisboa, que lhe terá dito que se tratava de directrizes que emanavam directamente do Governo federal. “Lamentamos a situação e tentámos que a mesma fosse revertida. Tivemos várias reuniões mas disseram-nos que estavam a cumprir ordens do ministério”, explica o autarca.
O antigo cônsul admite que o consulado honorário em Santarém era uma representação sobretudo simbólica, que não tinha grandes competências atribuídas nestes últimos tempos. Durante alguns anos ainda teve a possibilidade de tratar de processos ligados com passaportes, enviando os processos para os serviços diplomáticos do Brasil em Lisboa, que depois os devolviam já concluídos.
A criação do consulado honorário do Brasil em Santarém nasceu de uma proposta formulada pela Câmara de Santarém, em Julho de 1998, através de ofício subscrito pelos nove membros do executivo municipal, então liderado pelo socialista José Miguel Noras. O consulado viria a ser criado no Verão de 2002, tendo Botas Castanho tomado posse como cônsul honorário em 5 de Setembro de 2002. Duas décadas depois, em 7 de Novembro de 2022, entregou para guarda na Casa do Brasil, os bens que lhe foram entregues pelo Consulado Geral do Brasil em Lisboa, nomeadamente o escudo de armas da República Federativa do Brasil, a bandeira do Brasil e o Manual do Serviço Consular e Jurídico.
Uma relação de 500 anos
Santarém tem uma forte relação histórica com o Brasil, desde logo pelo facto de o navegador Pedro Álvares Cabral, a quem é atribuído o descobrimento do Brasil, ter morrido na cidade ribatejana, onde estão sepultados os seus restos mortais, na Igreja da Graça. Estácio de Sá, fundador da cidade do Rio de Janeiro no século XVI, também era oriundo de Santarém, tendo sido recentemente publicado um livro com a chancela da Rosmaninho que lança luz sobre essa figura histórica que é ainda um ilustre desconhecido na sua cidade natal.
As polémicas viagens ao Brasil
A Câmara de Santarém tem vários acordos de geminação com municípios brasileiros e, no final do século XX e início do século XXI, houve mesmo algumas viagens de delegações de autarcas escalabitanos e respectivas comitivas ao Brasil. Em 2011 houve mais duas viagens a terras brasileiras associadas ao abortado protocolo que a Câmara de Santarém tinha previsto firmar com o Jockey Club de São Paulo. Essas viagens suscitaram mesmo acesa polémica entre PSD e PS devido aos custos que envolveram.
A cooperação entre Santarém e o Brasil conheceu um forte incremento no tempo de José Miguel Noras como presidente da Câmara de Santarém. Foi nesse período, de 1992 a 2002, que, entre outras medidas e acções, foi criado o consulado do Brasil em Santarém e recuperada a casa onde se diz ter vivido Pedro Álvares Cabral, hoje Casa do Brasil, em cuja inauguração esteve o então presidente da república brasileira, Fernando Henrique Cardoso.
Consulado honorário em Fátima
Para além do consulado honorário do Brasil em Santarém (que tinha jurisdição para todo o distrito de Santarém), foram também desactivados os consulados de Sines e Funchal. Em contraponto, foi criado um consulado honorário em Fátima, com jurisdição restrita ao concelho de Ourém e que tem como cônsul honorário Carlos Evaristo. Há ainda consulados honorários em Ponta Delgada e Loulé e consulados gerais em Faro, Porto e Lisboa (que tem jurisdição sobre o distrito de Santarém).