O bancário pirata da TV que cortou o sinal da RTP para anunciar o nascimento da filha
Hélder Lucas, de Benfica do Ribatejo, que trabalhou quase três décadas como bancário em Almeirim, é um dos responsáveis pela pirataria televisiva nos anos 80 em Almeirim e nas localidades à volta do concelho. Transmitia eventos que filmava e também o sinal da televisão espanhola, bem como desenhos animados da Disney. Até ao dia em que começou a fazer cócegas a quem em Lisboa mandava na radiodifusão.
No dia 26 de Maio de 1984 o emissor de Montejunto estava a transmitir os dois canais da RTP - ainda não se sonhava com os canais privados - quando a emissão é interrompida para Hélder Lucas anunciar o nascimento da sua filha. “Desculpem interromper a emissão mas quero mostrar a minha filha Dalida que nasceu hoje” disse aos espectadores enquanto mostrava um vídeo da menina recém-nascida que anos mais tarde havia de trabalhar numa produtora de televisão. Estava aberta a pirataria numa era em que a Internet ainda parecia ficção científica.
Hélder Lucas era bancário e passava os tempos livres a estudar esquemas piratas, antenas, transmissões que aliava à sua paixão por rádios e depois também pela produção de vídeos institucionais e de casamentos e festas, chegando a filmar e montar vários vídeos para a SIC, na década de 90, quando a primeira televisão privada estava a dar os primeiros passos. Natural de Benfica do Ribatejo, concelho de Almeirim, Hélder Hipólito Lucas, 72 anos, usava nos anos 80 para fazer pirataria televisiva uns esquemas do fundador da Rádio Pernes, José Guilherme Paradiz, que apelida de primeiro pirata de televisão. Com esses desenhos fez um emissor para transmitir imagens que captava de eventos da região.
O bancário também esteve envolvido com Eduardo Reguinga, de Fazendas de Almeirim, na retransmissão da espanhola TVE, na zona de Almeirim e arredores, a que as pessoas chamavam o canal espanhol. Também retransmitia desenhos animados da Disney. Ninguém pagava e quem vivia na zona era um privilegiado por ter mais do que os dois canais portugueses. O estágio que fez num banco em Lisboa permitiu-lhe ganhar formação num estúdio de televisão que pertencia à sede do banco. Em 2020, deixou de trabalhar como operador de câmara.
Quando não estava no Totta e Açores, actual Santader, no centro de Almeirim, onde trabalhou 29 anos, sobretudo aos fins-de-semana, filmava eventos com a perícia que já tinha adquirido com uma máquina de filmar de fabricação alemã que comprou antes de começar a trabalhar na instituição bancária. A morte do seu pai incentivou-o a registar os momentos em família. Entre as imagens que guarda na memória e no seu arquivo está o Festival Internacional de Folclore de Santarém em 1980, assim como outros festivais que filmou em 1983 no norte de Inglaterra e em 1984 em França. Estes eventos foram alguns dos muitos que retransmitiu além do sinal da televisão espanhola até 1993, quando a autoridade das comunicações foi a Almeirim acabar com a aventura que já estava a dar muito nas vistas em Lisboa.
O radioamadorismo e a colecção de 250 rádios
Hélder Lucas colecciona rádios “musiqueiros” desde os 22 anos e tem 250 aparelhos que adquiriu durante meio século em antiquários ou feiras de antiguidades, alguns deles estiveram na exposição “A importância dos rádios e da rádio no 25 de Abril de 1974” em Santarém. Alguns são raros. Aos 12 anos construiu um rádio de galena, um receptor de construção simples. Além da paixão pelas telefonias, também é um adepto do radioamadorismo (banda do cidadão) e em 2019 fez o exame da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) para obter a categoria dois de radioamador com o indicativo “CS7AWT”.
A aprendizagem no radioamadorismo iniciou-se nos anos 70 quando começou a emitir na banda do cidadão, usando a alcunha de “Al Capone”. O primeiro contacto que fez para o estrangeiro foi para uma pessoa na antiga Jugoslávia. Com um curso de Electrónica tirado no Centro Ensino por Correspondência Álvaro Torrão - Rádio Escola, Hélder entristece-se por ver que os radioamadores que possuíam um gosto natural pela actividade, que inclui um saber técnico e científico, estão a desaparecer. E realça que em caso de a Internet falhar os radioamadores vão continuar a assegurar as comunicações.