Sociedade | 21-05-2024 07:00

Populares voltaram à nascente do Almonda e Renova apresenta nova queixa por invasão de propriedade privada

Populares voltaram à nascente do Almonda e Renova apresenta nova queixa por invasão de propriedade privada
TEXTO COMPLETO DA EDIÇÃO SEMANAL
Pedro Ferreira e António Gomes, membros do Um Coletivo, movimento responsável pela organização da iniciativa que juntou dezenas de populares junto à nascente

Cidadãos que passaram o Dia da Espiga junto à nascente do rio Almonda, nas proximidades da fábrica da Renova, foram surpreendidos por militares da GNR após denúncia por invasão de propriedade privada. Povo não desarma e continua a reivindicar o livre acesso à nascente.

Quando duas dezenas de pessoas passavam o feriado do Dia da Espiga, 9 de Maio, a conviver junto à nascente do rio Almonda, na Zibreira, concelho de Torres Novas, a Guarda Nacional Republicana (GNR) foi, por duas vezes, chamada ao local em resposta a denúncias por invasão de propriedade privada. A informação é confirmada a O MIRANTE pelo responsável do movimento Um Coletivo, Pedro Ferreira, que lamenta que, mais uma vez, a Renova tenha agido desta forma. Isto, recorde-se, depois de em 2023, também no Dia da Espiga, a empresa produtora de papel ter apresentado queixa-crime contra desconhecidos por invasão de propriedade privada que acabou arquivada pelo Ministério Público por falta de provas.
Ao nosso jornal, fonte oficial da GNR confirma a ida dos militares ao local na sequência de uma denúncia por invasão de propriedade privada que, refere, “não se veio a confirmar” por os cidadãos se encontrarem em zona de “domínio público hídrico”. Tal como aconteceu em 2023, acrescenta, em que depois de chamados ao local os militares não identificaram ninguém, tendo apenas elaborado um auto de notícia que seguiu para o Ministério Público.
Contactado por O MIRANTE, o director de Marketing da Renova, Luís Saramago, refere que as autoridades foram ao local por “ter sido violado o perímetro de segurança da fábrica”, depois de “os serviços de segurança terem solicitado que as pessoas abandonassem o local, propriedade privada da empresa, devidamente protegido, vedado e assinalado”.
Apesar das explicações da GNR, Pedro Ferreira garante que houve pessoas, nomeadamente as que se faziam acompanhar de crianças, que com receio de serem detidas acabaram por se identificar a um dos militares da segunda patrulha - do posto de Alcanena - que foi ao local cerca das 18h30 e que, garante, começou “a fotografar as matrículas dos carros estacionados na via pública” e, evocando “suspeita de invasão de propriedade privada”, ordenou aos presentes que se identificassem. “Os outros militares não viram suspeita nenhuma”, sublinha, referindo-se aos guardas da primeira patrulha, a do posto da Golegã, que apareceu pelas 17h00.
“Isto não pode dar em nada. É ridículo se der em alguma coisa”, afirma Pedro Ferreira, acrescentando que não compreende o critério de umas pessoas serem identificadas, porque aceitaram sê-lo, e as que recusaram fazê-lo não terem sido detidas.

“A Renova quer-se apropriar de algo que é de todos”
O Um Coletivo voltou este ano a desafiar a população a passar o Dia da Espiga num convívio pacífico junto à nascente do Almonda que há anos se encontra vedada pela Renova. O MIRANTE esteve no local e falou com alguns dos presentes que passaram o feriado municipal sentados em toalhas estendidas no chão numa espécie de piquenique reivindicativo.
Há 72 anos que António Matias vive numa casa num terreno situado perto da nascente. Aos 14 começou a trabalhar na Renova, onde o pai já tinha trabalhado, mas apesar dessa ligação não se acanha em dizer que a empresa está a cometer um enorme erro e que está a invadir a privacidade da população ao instalar câmaras de videovigilância em espaço público. António Matias explica que foi filmado numa das visitas que fez à nascente e que foi um dos acusados de invadir propriedade privada, situação que considera ridícula e lamentável. “Como invadi propriedade privada se nunca saí de caminhos públicos? Nasci aqui, brinquei e corri aqui. Bebi centenas de litros desta água e agora a Renova quer-se apropriar do que é do povo”, declara com tristeza.
A nascente representa um legado de património cultural e histórico para a população que pretende que lhe seja devolvido. António Matias considera que a Câmara de Torres Novas está a ser demasiado benevolente e que não está a afirmar a sua posição nem a defender os cidadãos. “Se a Justiça vai contra o cidadão comum, por que não age também contra uma empresa? Tem de ser igual para todos. A Renova quer-se apropriar, de forma ilegal, de algo que é de todos”, remata.
Também Pedro Ferreira lamenta que a autarquia tenha tomado a posição “mais fácil” e que pouco se tenha envolvido no assunto. O Um Coletivo organizou uma petição pública que recolheu mais de mil assinaturas em que, entre vários pontos, propunha um estudo de pormenor para desenvolvimento da área e a retirada da vedação. “Gostaríamos que a autarquia valorizasse a petição que recolhemos e que é a vontade dos cidadãos e fosse mais pró-activa em busca de uma solução para o problema. Após quase um ano da última reunião e sem resposta, não fizeram mais nada”, lamenta.
Recentemente, em sessão de assembleia municipal, o presidente daquele órgão, José Trincão Marques referiu que irá, juntamente com o presidente do município, reunir em breve com a Renova. O autarca lembrou ainda na mesma sessão que num email enviado em 2023 àquela assembleia municipal a empresa refere que tem vindo a trabalhar para que a “nascente seja mais acessível”, estando, paralelamente, a desenvolver um estudo paisagístico, nomeadamente no que respeita a vedações e que visa “a harmonização do espaço valorizando a sua importância histórica, geológica, biológica e a propriedade”.
Uma postura amigável e aberta ao diálogo por parte da Renova, a retirada da vedação e das câmaras de videovigilância e a liberdade para cada cidadão visitar a nascente sem se sentir intimidado ou observado é o que o movimento e a população exigem. “A água é do povo e a Renova já tira uma parte para a produção. Tiram sem pagar nada, servem-se da água de todos e fazem o seu lucro. A meu ver, eles é que têm uma dívida social enorme à população”, conclui António Gomes, membro do Um Coletivo.

Alguns dos cidadãos que passaram o Dia da Espiga junto à nascente do rio foram identificados pelas autoridades

Indignação com “atitude intimidatória” da Renova

A comissão política do Bloco de Esquerda (BE) de Torres Novas considera inaceitável a atitude intimidatória da empresa Renova para com as pessoas que voltaram a organizar um evento junto à nascente. Num comunicado enviado para a redacção de O MIRANTE, o partido começa por recordar que pouco antes de completar um ano da queixa apresentada pela empresa Renova contra 12 cidadãos, o Ministério Público arquivou o processo. “Falhou esta tentativa de intimidação para que se desista de visitar e desfrutar da nascente do Almonda, um bem público de todas e todos”, pode ler-se no documento.
A comissão política do BE recorda que, em 2021, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) declarou que a água é pública. “Mais uma vez, a empresa tentou intimidar a população que quer usufruir da nascente do rio Almonda, demonstrando um total desprezo pela vontade dos torrejanos e inclusive pela decisão da assembleia municipal que aprovou, apenas com uma abstenção, uma recomendação à câmara para que aquele local seja arranjado e de acesso para todos. A Renova opta pela intimidação e repressão e não se coíbe de usar indevidamente e de forma abusiva o sistema judicial”, refere o partido, acrescentando que vai continuar a exigir, nomeadamente à câmara municipal uma posição clara e firme que conduza à resolução definitiva da situação.

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