Sociedade | 22-05-2024 07:00

Cátia Inverno lida com a morte todos os dias há uma década

Cátia Inverno lida com a morte todos os dias há uma década
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Cátia Inverno trabalha na Funerária Torrejana desde 2015 e entrega-se de corpo e alma à sua profissão

Cátia Inverno, 37 anos, trabalha na Funerária Torrejana, em Torres Novas. A O MIRANTE fala da importância do seu trabalho, dos mitos associados e do quão importante é proteger as famílias.

Cátia Inverno, 37 anos, lida com a morte todos os dias há quase dez anos como funcionária da Funerária Torrejana, em Torres Novas. Defende um serviço humanizado e por isso encara cada trabalho como gostava que tratassem um familiar seu. A morte nunca lhe fez confusão, ao contrário de episódios que assiste em velórios e funerais, desde comentários sobre indumentária, perguntas inconvenientes, fingimentos, forçar atitudes e discussões sobre a herança. Na sua opinião, a morte deve ser vista sem tabus e o seu trabalho serve para homenagear a família e o seu ente querido pelo que era em vida. “Às vezes a morte é o fim de uma pessoa que teve uma vida linda, que nos ensinou algo, fez um feito na colectividade da aldeia”, afirma.
Natural de Riachos, concelho de Torres Novas, tirou um curso profissional de técnica de gestão na Chamusca e foi enquanto trabalhadora na restauração em Torres Novas que conheceu os actuais patrões, Alexandra Alexandre e Rui Alexandre. O desejo de ser mãe e a inflexibilidade do ex-patrão em horários fizeram com que se despedisse e posteriormente fosse convidada para integrar a equipa da Funerária Torrejana, onde começou como administrativa, em 2015.
Antes da Covid-19 fez a formação de técnico funerário e, desde então, diz ter aprendido muito com o dia-a-dia. A profissional conta que há famílias que preferem um funeral “penso rápido” porque não estão com capacidade psicológica para beijos, ouvir frases como “era tão boa pessoa” ou serem interpeladas com questões. “Há pessoas que sofrem mesmo, outras que fazem teatro para chamar a atenção. O mais gratificante é quando as famílias agradecem porque se sentiram protegidas, bem acompanhadas e conseguimos amenizar a sua dor”, refere.
O trabalho mais difícil foi quando recebeu pela primeira vez um telefonema para tratar de um funeral de um nado morto com o nome do seu sobrinho. “Ninguém o queria ver, e eu sabia, mas fiz questão de o vestir e deitar abraçado ao peluche. Fiquei contente por ser eu, porque sabia que o ia tratar com respeito”. Cátia Inverno afirma que existem mitos relacionados com a sua profissão como o de partir ossos. Na Funerária Torrejana, explica, opta-se por alguns exercícios para que se consiga vestir o corpo. No caso de pessoas acamadas há vários anos, há uma conversa com a família onde se explica que o corpo pode ir na lateral. Outro dos mitos que menciona é o de não se poder levar jóias. “Temos de pensar no momento e não nos bens materiais”, afirma, referindo-se aos possíveis roubos no levantar das ossadas.

A falta de sensibilidade de algumas autarquias
A Funerária Torrejana foi fundada em Torres Novas na década de 70 por Carlos Carvalho, avô de Rui Alexandre. Disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano, realiza funerais, cremações, trasladações e exumações, tanoestética e tanatopraxia, manutenção de campas e trata de toda a documentação e burocracia. Os horários são sempre em estreita articulação com as famílias e agilizados com todos os intervenientes. “Até na morte temos de ser homenageados por aquilo que éramos e gostávamos”, defende Cátia Inverno.
Cátia Inverno afirma que nem todos os municípios e juntas de freguesia têm a sensibilidade de dizer que “os papéis podem vir depois”. “Não é fácil chegar ao pé de uma família e colocar dez papéis à frente para assinar. Tem de haver outro compasso de espera”, defende. Cátia Inverno afirma que caso a família não esteja estável emocionalmente é possível que a funerária se desloque a casa.

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