O Tejo está mal aproveitado e a população não o valoriza
O décimo Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo leva a imagem de Nossa Senhora dos Avieiros desde a fronteira com Espanha até à foz, em Lisboa. Grande parte da travessia é feita no Ribatejo. O MIRANTE esteve no cais de Alvega para assistir ao embarque da imagem de Nossa Senhora dos Avieiros para mais uma etapa e falou com alguns presentes sobre um rio que já foi mais valorizado e aproveitado.
A ligação ao rio Tejo, por parte das comunidades locais tem-se vindo a perder. O assoreamento e a poluição, aliados à redução de população jovem e à oferta de outras actividades de lazer, principalmente tecnológicas, são os principais factores apontados para este virar de costas ao rio. O MIRANTE esteve na terceira etapa do 10º Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo que começou na manhã de 25 de Maio. No cais de Alvega, concelho de Abrantes, dezenas de pessoas juntaram-se para assistir ao embarque da imagem de Nossa Senhora dos Avieiros, saída de Ortiga.
Rui Rodrigues, 63 anos, nasceu nos Açores de onde trouxe a paixão pelo mar e pela navegação. A viver no continente desde os cinco anos, actualmente reside em Rossio ao Sul do Tejo onde admite ter sido contagiado pela forte ligação da comunidade local ao Tejo. Faz parte da comissão organizadora do Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo desde a segunda edição. Considera a navegabilidade do rio turbulenta e complexa, mas que seria ainda mais difícil sem a ajuda das descargas de água das barragens. “Há sempre zonas melhores e outras piores. Em alturas de seca, há zonas que ficam praticamente sem água, estando sempre dependentes das condições atmosféricas. A partir de Constância a navegabilidade é mais calma” explica.
Rui Rodrigues reconhece que a consciencialização para os problemas do rio tem vindo a crescer ao longo dos anos e que as populações e entidades locais estão mais despertas para a luta contra a poluição e por um rio mais aproveitado e presente na vida das pessoas. “Com o Cruzeiro Religioso e Cultural pretendemos que as comunidades se desloquem mais ao rio e fortaleçam a sua ligação. Temos conseguido abrir antigos portos praticamente abandonados e recordar os tempos em que o rio funcionava como auto-estrada de transporte de bens, pessoas e mercadorias”, afirma Rui Rodrigues que lamenta o abandono que o rio sofreu durante vários anos sendo visto, muitas vezes, como um autêntico esgoto.
“O Tejo está muito mal aproveitado”
Fernanda Galhoufa e Maria do Carmo nasceram no concelho de Abrantes. Consideram que as redes sociais e os meios digitais contribuem para que os jovens prefiram outras actividades em vez de usufruírem do rio como local de lazer. Maria do Carmo recorda os tempos de juventude em que todos os dias de Verão eram ali passados. “Tomávamos banhos, fazíamos travessias, pedíamos boleia aos barqueiros. Era a nossa casa, aqui passávamos o dia. Só íamos a casa comer e dormir”, recorda com um sorriso. As duas amigas consideram que o rio Tejo é fundamental para a região, mas lamentam que a comunidade não o saiba valorizar e desfrutar das suas características.
“O rio não está bem aproveitado. Há um potencial enorme ao longo do rio que deve ser explorado. Para banhos a retenção de água não está bem explorada e é impossível pescar ou salvaguardar os peixes, com tanta poluição nas águas”, lamenta Fernanda Galhoufa. Acreditam que investir em zonas ribeirinhas e dinamizar mais actividades turísticas junto ao rio, pode ser uma forma de ajudar a comunidade a ligar-se mais ao rio.
António Filipe nasceu e viveu durante vários anos na freguesia de Alvega. Apesar de hoje residir no Entroncamento, participa em todos os eventos relacionados com o rio Tejo. “Tenho muitas memórias e histórias de infância aqui. De mergulhos, de travessias de barco ou a nado, das jangadas que fazíamos em jovens. A própria alimentação era proveniente do rio” diz com um sorriso. António Filipe foi pescador durante vários anos e elogia a diversidade do rio em termos de peixes como a fataça, saboga e lampreia. “O rio está muito mal aproveitado, mas a população também o valoriza cada vez menos. Os jovens são cada vez menos nas aldeias e as pessoas já não têm interesse pela ligação à natureza, preferindo outro tipo de actividades ou entretenimentos mais digitais”, lamenta.