Meio século depois António continua a ser um provocador contra a ignorância e a estupidez
Município de Vila Franca de Xira evoca os 50 anos de carreira do cartoonista António Antunes com uma grande exposição que abrange o Museu do Neorrealismo, Fábrica das Palavras e o Celeiro da Patriarcal com desenhos que traçam a história do país e do mundo.
Foi um daqueles raros momentos em que o Museu do Neo-Realismo pareceu pequeno para acolher tanta gente, com o auditório a ficar lotado em poucos minutos e largas dezenas de pessoas a esperarem à porta uma oportunidade de cumprimentar o artista. A mostra “António: 50 anos de humores” foi inaugurada na tarde de domingo, 23 de Junho e contou com a presença de, entre outras figuras, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Pelo traço de António estão representados o Processo Revolucionário em Curso (PREC) após a revolução de Abril, os golpes de estado, a institucionalização da democracia, os regionalismos insulares, a queda do muro de Berlim, o desmoronamento da União Soviética e as acções militares americanas por todo o mundo. “Tem uma carreira que nos faz pensar e inquietar”, destaca o presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, notando que nos 50 anos da revolução dos cravos a liberdade e a cultura precisam do poder do cartoon. “Vila Franca de Xira continua com a mesma garra de sempre na luta pela liberdade, livre e contestatária, garbosa das suas tradições, tolerância e humanismo”, vincou o autarca.
Na cerimónia estiveram também o ex-primeiro ministro e ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o padre Vítor Melícias. O autor da mostra, António, manteve-se fiel a si próprio com poucas palavras para quem o foi visitar. “É uma exposição grande, não sei se é uma grande exposição. Vai ter de falar por ela. São desenhos que faço como quem está à janela a ver passar este mundo e quero participar nele e ter uma ínfima influência nele. Foi isso que sempre fiz em plena liberdade”, afirmou, lembrando depois a importância que o jornal Expresso teve no seu percurso. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, alterou a agenda para assistir à inauguração e chegou à cidade sem atrasos, lembrando os tempos em que era director do Expresso e lidava directamente com os cartoons de António, a quem chamou de “velho amigo”.
“É um analista de 50 anos de Portugal. Um provocador contra a ignorância, a estupidez, o medo ou a distração. Isso torna a sua obra perene e torna perene algumas figuras que de outra forma nunca o seriam”, notou Marcelo Rebelo de Sousa, antes de notar o mérito do Francisco Balsemão ao ter percebido que era um desperdício o jovem António estar no República, "que era um jornal que recordamos com saudade por ser de resistência impossível”, lembrou.
Para o Presidente da República, um dos melhores cartoons da carreira de António chama-se “A Última Ceia”, em que os capitães de Abril estão todos reunidos à mesa e não se sabe quem estaria a traí-los. “Não se sabia se havia Judas à mesa ou não. Quem seriam os alinhados e desalinhados numa revolução em que os aliados mudavam a um ritmo infernal”, recordou. Marcelo Rebelo de Sousa evocou também as raízes de Vila Franca de Xira e a forma como esta comunidade assume a sua intervenção colectiva na defesa do bem comum e dos valores da liberdade. “No dia em que perdermos ou começarmos a introduzir censuras no jornalismo ou nos cartoons, sejam quais forem, mesmo que teoricamente legitimadas, entra-se numa rampa deslizante de perda democrática acentuada. E aí estará o António com o seu toque de génio a dar o sinal de alarme”, afirmou.
Centenas de desenhos para todos os gostos
A exposição que percorre 50 anos da carreira do cartoonista António Antunes pode ser vista no Museu do Neo-Realismo, Fábrica das Palavras e no Celeiro da Patriarcal até Outubro e tem entrada livre. É uma celebração do percurso, trabalho e dedicação de António Antunes e é organizada pela Câmara de Vila Franca de Xira. Nascido em 1953, em Vila Franca de Xira, António Moreira Antunes formou-se em pintura na Escola Artística António Arroio, em Lisboa, iniciou-se no cartoonismo em 1974 no jornal República e colaborou com jornais e revistas como o Diário de Notícias, A Capital, A Vida Mundial, O Jornal e o Expresso.
Em 1993 publicou um cartoon que correu mundo pela polémica - o “Preservativo Papal” -, no qual o Papa João Paulo II é representado com um preservativo no nariz. Mais recentemente o cartoon de Donald Trump a passear o primeiro ministro israelita com uma trela também gerou polémica e acusações de anti-semitismo.
António foi galardoado, entre outros, com o Grande Prémio no XX Salão Internacional de Cartoon em Montreal com uma imagem sobre a invasão israelita do Líbano, o Prémio Gazeta de Cartoon (Lisboa, 1992), e o Grande Prémio de Honra do XV Festival du Dessin Humoristique (Anglet, França, 1993). Já foi Personalidade do Ano de O MIRANTE, assinou cartoons para a estação do Aeroporto do Metropolitano de Lisboa e em 2005 foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. O ano passado recebeu o grau de comendador da Ordem da Liberdade.