Somos um distrito em declínio mas parece que já sabemos tudo
O distrito de Santarém está estagnado e parece que poucos se importam com isso. O alerta foi deixado por várias vozes durante uma conferência da SEDES, em Santarém, onde foi criticada a ausência de autarcas e outras entidades e se apelou à mobilização para dar a volta por cima.
O território que corresponde ao distrito de Santarém tem perdido população de forma acentuada nas últimas décadas e apresenta índices económicos preocupantes mas não há regiões condenadas à estagnação económica de forma irreversível. Para combater essa realidade é necessária mobilização dos agentes económicos e sociais, das autarquias e instituições de ensino mas, pelo que se viu numa conferência promovida em Santarém pela SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, há muito trabalho a fazer, pois os autarcas presentes contavam-se pelos dedos de uma mão. E representantes de instituições de ensino superior ou do turismo também não se viram, o que mereceu um comentário crítico da presidente do Conselho Coordenador da SEDES/Santarém, Salomé Rafael. “Não temos aqui um único autarca, nós sabemos tudo…. Não temos aqui uma escola superior e temos dois politécnicos no distrito… E relativamente ao turismo a mesma coisa. Somos um distrito em declínio mas parece que já sabemos tudo”, disse a empresária e ex-líder da Nersant com indisfarçada ironia.
Na sessão realizada na tarde de quinta-feira, 20 de Junho, na Casa do Campino, sob o mote “Que Centralidade para o Ribatejo? Principais vetores de desenvolvimento”, o presidente da AIP – Associação Industrial Portuguesa e ex-líder da Nersant – Associação Empresarial da Região de Santarém também pôs o dedo na ferida. José Eduardo Carvalho evocou os nomes de autarcas de outros tempos, que tiveram visão para transformar o seu território e capacidade de aglutinação e de estabelecer parcerias em torno de projectos fundamentais para a região. O Eco-Parque do Relvão, no concelho da Chamusca, foi apontado como um bom exemplo de ultrapassagem de bloqueios com vista à criação de riqueza e de aproveitamento de oportunidades que outros rejeitaram, mesmo sendo servido por acessos construídos no século XIX, como é o caso da velha ponte da Chamusca. Essa realidade, no seu entender, também desmistifica a ideia de que as acessibilidades concentram toda a explicação para a estagnação dos territórios.
José Eduardo Carvalho apontou a “falta de mobilização e de compreensão” dos principais agentes em relação à situação que a região está a viver, com anemia económica, falta de mão de obra qualificada e perda de população preocupantes, referindo que a estagnação de uma região não é irreversível, mas para a combater é necessário instilar muita confiança, muita mobilização e voluntarismo dos diversos actores. Nesse campo, acredita que a nova entidade que vai agregar o Oeste e os municípios do distrito de Santarém pode ser um alento para restaurar esse espírito de equipa, envolvendo os vários sectores da sociedade em torno de objectivos cruciais para o desenvolvimento regional.
O poder excessivo dos técnicos de urbanismo das autarquias
José Eduardo Carvalho levantou algumas questões até agora ignoradas, ou menos discutidas, sobre a falta de coragem política dos autarcas para contrariarem os técnicos de urbanismo das autarquias que, segundo ele, não têm saber divino para, quando querem, inviabilizarem projectos estruturantes para a região.
O presidente da AIP deu o exemplo quando falava do Parque do Relvão, na Carregueira, que, afirmou, foi uma obra de risco mas também de muita coragem de Sérgio Carrinho, que não esperou pelas licenças do Governo e avançou sem rede. Depois confessou que é um dos projectos que está em causa por causa da falta de investimento do Governo na região da Lezíria e do Médio Tejo nomeadamente ao nível das ligações ferroviárias apelando a que os agentes locais não baixem os braços contra a discriminação que a região sofre desde há cerca de trinta anos.
Novo aeroporto em sete anos é uma ilusão
José Eduardo Carvalho falou pela primeira vez em público sobre a localização do novo aeroporto e não escondeu o seu cepticismo quanto aos prazos apontados para a construção, bem como sobre as estimativas de passageiros, que considera exageradas. Sublinhando que a requalificação da Linha da Beira Alta já dura há 11 anos e ainda não acabou, questionou “como é possível acreditar que um aeroporto de raiz, com acessibilidades e nova ponte sobre o Tejo, pode ser estudado, planeado, licenciado urbanística e ambientalmente, construído e inaugurado em menos de sete anos?”, como “ilustres académicos e professores do Técnico defenderam”.
O dirigente da AIP disse mesmo que não acredita que ainda vá a tempo de apanhar um avião no futuro aeroporto Luís de Camões, tendo em conta o nosso historial de planeamento e execução de grandes obras públicas, recordando à plateia que já esteve no lançamento da primeira pedra do novo aeroporto, na Ota e no Montijo. “Decerto que vai haver brevemente novo cerimonial em Alcochete e também espero lá estar”, afirmou com ironia.
José Eduardo Carvalho considera que a construção do novo aeroporto no concelho de Benavente vai ter reflexos mais acentuados sobre a economia nos eixos Alcochete/Montijo/Seixal/Barreiro e Vendas Novas/Évora do que no eixo Benavente/Salvaterra de Magos/Almeirim. E deixou a questão no ar se a Companhia das Lezírias não se irá transformar numa barreira e condicionar os fluxos de investimento e impedir que se estendam para norte. Na sua “análise empírica”, vincou José Eduardo Carvalho, o que não deixa de ser evidente é que na margem norte, o eixo Azambuja/Cartaxo/Santarém vai perder competitividade na atracção de fluxos de investimento, tanto mais que se vai confrontar com um “dique” provocado pela plataforma logística da Castanheira, “que não facilitará a passagem desses fluxos para norte”.
Críticas à liderança da Nersant
A Nersant teve em tempos um importante papel mobilizador, dinamizando projectos com autarquias e outras entidades que fizeram a diferença na região. O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves (PSD), reconheceu isso ao destacar o papel que José Eduardo Carvalho e Salomé Rafael tiveram durante muitos anos à frente da Associação Empresarial da Região de Santarém. “Infelizmente as coisas não tiveram a continuidade que desejávamos nessa matéria, mas o caminho que vocês fizeram, sempre de antecipação do futuro, foi muito importante”, afirmou o autarca, numa crítica implícita às posteriores lideranças da Nersant, protagonizadas por Domingos Chambel e Pedroso Leal.
Já no período destinado à intervenção da plateia, um empresário e antigo dirigente da Nersant deixou também críticas ao actual estado da associação. João Lucas disse que depois das presidências de José Eduardo Carvalho e de Salomé Rafael “acabou aquilo que era o trabalho profícuo de desenvolvimento, de diálogo, de juntar esforços com os políticos e a comunidade”.
O presidente da SEDES, Álvaro Beleza, disse no encerramento da sessão que mais do que a realização de conferências é necessário juntar os líderes da região, falar muito e depois tomar decisões e fazer alguma coisa. E também estimular os jovens a criarem empresas e a fugirem da sombra protectora do Estado. Também Paulo Madruga, da Ernst & Young Portugal, sublinhou a necessidade de se olhar para este território, para o seu potencial diferenciador e de criação de valor acrescentado em áreas como a agro-alimentar e da floresta, entre outras, bem como tirar partido do Tejo. “Todo esse processo devia estar na ordem do dia dessa reflexão que é necessário fazer”, afirmou.
Projecto Tejo devia ser o mais mobilizador
O Projecto Tejo, que partiu da iniciativa privada através dos irmãos Manuel e Miguel Campilho, da Quinta da Lagoalva de Cima, devia ser o mais mobilizador na região ribatejana, mas tem vindo a perder gás e visibilidade. José Eduardo Carvalho tem dúvidas se terá sido “a ideia mais feliz” colocá-lo sob alçada do Ministério da Agricultura e se terá sido bem acolhido e recebido o apoio suficiente na fase de arranque e mobilização.