Para a CDU recuperar a Câmara de Alpiarça precisa de conquistar os jovens
Raúl Figueiredo foi presidente da Câmara de Alpiarça apenas um mandato, eleito em 1993, perdendo a câmara que pela primeira vez passou para as mãos do PS.
O ex-autarca, engenheiro químico, reconhece que não teve o apoio que devia ter tido na recandidatura e se na altura tivesse conseguido fazer as obras que tinha planeado e que foram feitas pelo seu adversário, Joaquim Rosa do Céu, dificilmente o PS conseguiria chegar ao poder por muitas décadas. Começou a militar no MDP-CDE e entrou para o PCP a seguir ao golpe militar de 25 de Novembro 1975 porque precisava de um partido que lhe desse a solidez para intervir politicamente. Viúvo há pouco tempo, depois de ter sido anos um cuidador da mulher que sofria de Alzheimer e que foi a única namorada que teve desde adolescente e com quem casou quando ainda estava a tirar o curso no Técnico. Na conversa no parque do Carril com vista para a vala real, considera-se uma pessoa sem inimigos, que não tem ressentimentos e que no seu dicionário não cabem as palavras raiva e o ódio. Está reformado. Passa o tempo entre Alpiarça e o litoral da costa Alentejana onde o maior prazer que tem é andar de bicicleta. Apesar do tempo livre quer manter-se fora da vida política activa.
O que era o bastião comunista de Alpiarça está a perder força. O partido precisa de outra orientação? Essa é uma preocupação política que todos os dias domina o meu pensamento. Quando soube na noite das eleições legislativas que o Chega, um partido fascista, racista, xenófobo, tinha mais votos que a CDU fiquei triste. Isto é quase uma infâmia à história de muitos militantes e simpatizantes comunistas, alguns presos e torturados, que muito lutaram pela liberdade.
O que é que está a acontecer ao Partido Comunista? A realidade das empresas industriais é completamente diferente. O que eram autênticos ninhos de formação política e cívica, onde o PCP tinha milhares de militantes, desapareceram. O grande capital também se reorganizou e foi ganhando força com a conivência e participação directa de governos do PS e PSD. As liberdades e garantias dos trabalhadores foram sendo atacadas, grande parte da comunicação social foi ficando na mão de grandes grupos económicos que influenciam muito o país. Tudo isto são barreiras difíceis de ultrapassar.
O PCP não conseguiu adaptar-se, renovar-se… O partido consegue adaptar-se às novas circunstâncias, só que estas são muito mais difíceis.
Ainda é possível encontrar uma estratégia para recuperar a Câmara de Alpiarça. Gostaria muito que a Câmara de Alpiarça voltasse a ser gerida pela CDU (PCP + PEV), mas não é tarefa fácil. O PS também tem capacidade para fazer coisas e agradar à população. Uma força política na oposição, como a CDU, tem de trabalhar muito e se possível ainda melhor para granjear a simpatia e o apoio das camadas jovens da população.
Acha que é com o discurso actual do PCP, que cheira a gasto, que se vai conseguir cativar os jovens? A campanha tem de se fazer todos os dias, essencialmente nas redes sociais e isso tem de ser aproveitado pelo PCP. Antigamente, por exemplo, era preciso ir para um protesto e de repente alugavam-se 50 autocarros para Lisboa. Isto era carregar no botão, porque havia uma grande consciência de classe e política. Para além do discurso, da imagem do líder é preciso trabalho de formiguinha trabalhando todos os dias.
Está satisfeito com a actual gestão socialista de Sónia Sanfona em Alpiarça? Não seria honesto estar a fazer comentários quando não tenho acompanhado a actividade autárquica de Sónia Sanfona, porque tenho estado afastado. Tenho dela a opinião de que é uma pessoa dialogante.
Quando regressou a Alpiarça para concorrer à câmara era praticamente um desconhecido. Essa foi uma dificuldade que tive junto das gerações mais novas. Tive que começar a fazer contactos muito dirigidos aos jovens em Julho. As eleições foram em Dezembro. Se nas eleições não puxarmos pela juventude, esta poderá ter tendência para ficar em casa. Foi um trabalho que deu frutos.
Como é que foi regressar a Alpiarça para ser presidente de câmara? Foi um desafio que temi. Ia substituir Armindo Pinhão, muito credenciado e popular. Era uma responsabilidade muito grande porque tinha de trabalhar para que a CDU não tivesse menos votos para a câmara do que para a assembleia municipal, onde ele era candidato.
A consciência de que era impossível ganhar, a falta de apoio e a forma incorrecta como foi tratado na oposição
Só fez um mandato num dos maiores bastiões comunistas do país. O que é que falhou? O PS e o PSD tinham-se entendido para uma candidatura à câmara. Era aritmeticamente impossível a CDU ganhar. Tinha consciência disso, mas não a transmitia. A campanha de Joaquim Rosa do Céu foi muito bem preparada, a começar pelo facto de ter sido nomeado director do Instituto de Emprego e Formação Profissional uns meses antes das eleições e de ter feito uma carta com promessas aos jovens. Já para não falar da inauguração apressada da requalificação da Instituição José Relvas, que era dirigida pelo pai, oito dias antes das eleições com a presença o primeiro-ministro António Guterres.
O partido pecou por excesso de confiança, ou não soube preparar-se? O partido estava confiante na vitória. Eu não estava. A campanha foi menos intensa e menos organizada que em 1993, porque o responsável político que acompanhava o concelho de Alpiarça foi escolhido para candidato a uma junta de freguesia. E durante três meses não tive um dirigente a puxar pela campanha. Tive de fazer de tudo um pouco, ser presidente e candidato.
Foi nessa altura que começou a queda do PCP… O PS teve na altura um slogan que era: agora ou nunca. Isso quer dizer muita coisa. Isso internamente no PS teve muita força, até porque eles sabiam da minha experiência política. Se tivesse vencido e concretizado os projectos que tinha em carteira, que o PS veio a executar, isso iria alavancar a força da CDU por muitos anos.
Como é que sentiu na oposição com um novo presidente com atitudes provocatórias e quase agressivas contra os comunistas? Não gosto muito de falar disso. Mas posso dizer que o ano de 1998 foi o pior ano político em toda a minha vida. Fui tratado de uma forma nada correcta, mas num determinado momento o Rosa do Céu pediu-me desculpas, eu aceitei e hoje somos amigos.
Estudou com uma bolsa do regime que combateu
Ser engenheiro era um objectivo de vida? Sou engenheiro por uma circunstância muito especial. E fui para engenharia química/industrial porque sempre tive tendência para desafios difíceis. Eu e o neurocirurgião José Pratas Vital fomos contemplados com a primeira bolsa de estudo atribuída pela Câmara de Alpiarça. Tenho esse ofício guardado religiosamente. Já tinha quase 13 anos. Acabei o ensino básico com 10 anos e até à bolsa e entrar para o Externato S. Paulo em Alpiarça andei a ajudar o meu pai, que tinha uma pequena empresa de construção. Transportava os materiais com a carroça e a mula e também ajudava a minha mãe na taberna. Foi com essa circunstância feliz que consegui estudar.
Ou seja, o Estado Novo formou uma pessoa que estava contra o seu regime. Afinal beneficiou com a ditadura… Foi uma medida justa porque o critério foi escolher dois alunos que fossem dos melhores e com uma situação económica familiar débil. Mas podia ter sido muito melhor, entregando 10 ou 20, porque havia mais jovens com capacidade intelectual igual ou superior à minha.
Quando foi estudar para Lisboa era bem comportado, ou já andava a desafiar o regime? Quando comecei a estudar no Instituto Superior Técnico em 1964 concorri logo na lista para a associação de estudantes, encabeçada pelo Mário Lino (ex-ministro das obras públicas do Governo socialista de José Sócrates) que na altura estava no PCP. Estive dois anos com o pelouro cultural. A associação tinha uma actividade política muito intensa e tive de sair porque precisava de estudar e passar o ano, até porque os meus pais não tinham dinheiro suficiente para poder andar fazer política em vez de estudar. Lembro-me bem do que corri à frente da polícia. Um dia pensei noutra estratégia. Parava a meio, invertia a marcha como se fosse um cidadão que ia a passar em sentido contrário e assim escapei várias vezes.
Era portanto um jovem destemido. Tive muito medo de ter problemas com a PIDE. Fazíamos reuniões clandestinas até às 3 ou 4 da madrugada a preparar as lutas estudantis. Quando saíamos havia polícias a fotografarem os estudantes. Nessas noites já não conseguia dormir com medo de a PIDE me bater à porta para me prender.
A retaliação na Ecolezíria que o deixou um ano sem parte do ordenado
Alguma vez se sentiu ameaçado? Durante a minha vida política sentia-me ameaçado quando tinha uma actividade sindical na Setenave e quando era vereador da CDU na Câmara de Setúbal. Recebi no meu telefone várias ameaças de morte. Em Alpiarça o que me fizeram foi espalharem a mensagem que estava tão desesperado com a derrota em 1997 que me ia suicidar. Ainda não me suicidei, nem tenciono suicidar-me porque isso é um acto de cobardia.
Quando perdeu a câmara foi para administrador da Resiurb, a associação dos municípios que tinham o aterro sanitário da Raposa. Foi uma compensação, uma tábua de salvação para não ficar sem actividade? Fui sempre eleito por unanimidade, independentemente da relação de forças entre o PS e a CDU. Não tive uma vida fácil sobretudo a partir de 2005 quando se passa para a Ecolezíria, que tinha os privados que exploravam o aterro. Tive uma missão muito penosa, porque os privados só pensavam nos lucros. Quando saí em 2014 tinha travado uma luta dificílima, porque enquanto fui administrador delegado a taxa que os municípios pagavam por tratamento de resíduos ficou congelada. Nunca permiti, com o apoio dos autarcas, que a taxa fosse agravada.
Foi só uma luta ou houve consequências? Os privados não o tentaram afastar? A luta chegou ao ponto de uma parte da minha remuneração não ser paga, durante um ano, porque o representante dos privados recusava-se a assinar o cheque do meu ordenado. Subsisti com um pé-de-meia que tinha. Foi uma perseguição, porque queriam à frente da Ecolezíria uma pessoa que lhes fizesse as vontades. Teve de haver uma alteração aos estatutos para que fosse unicamente o representante dos municípios a fazer os pagamentos.
Vai voltar à política activa? A partir de uma certa idade, apesar de sermos mais experientes, devemos ter a coragem de dar lugar a pessoas mais novas e foi por isso que propus o nome de Mário Pereira para concorrer à câmara e que foi um excelente presidente durante três mandatos. Seria uma tontaria da minha parte dizer que agora quero ser candidato a uma câmara ou a outro cargo.