Sardoal trabalha para ser bom exemplo na gestão da floresta e prevenção de incêndios
Presidente da Câmara de Sardoal admite que foi preciso acontecer a tragédia de 2017 para que todos se convencessem que algo tinha que mudar no que toca à gestão do território. A substituição do solo florestal por solo agrícola é uma das medidas em desenvolvimento no concelho para minimizar o risco de incêndio e a sua gravidade.
Miguel Borges é presidente da Câmara Municipal de Sardoal há onze anos, mas foi só no ano passado que não vestiu o colete da protecção civil “uma única vez”. O autarca, eleito pelo PSD e que cumpre o último mandato, reconhece que não pode dizer que o facto inédito se deveu às faixas de gestão de combustível, mas acredita que ajudaram. “Nenhum incêndio nasce grande, todos eles nascem muito pequenos”, lembrou, em entrevista à Lusa, junto a uma plantação de cactos onde outrora havia eucaliptos e pinheiros, servindo agora de faixa de contenção de incêndio. “Se conseguirmos apagar o incêndio nos primeiros 15 minutos é sucesso, a partir daí o incêndio muitas vezes só se apaga quando ele próprio quer e, para que haja esses 15 minutos, é preciso que os terrenos estejam limpos, que existam essas faixas, para que a propagação não seja rápida”, sublinha.
No início, Miguel Borges foi muito crítico do programa “Aldeia Segura Pessoas Seguras”, criado em 2018 e ao qual já aderiram 38 dos 40 aglomerados do concelho de Sardoal (os outros dois só não o fizeram pelas suas dimensão e características). “Continuo a ser [crítico], mas de uma forma mais moderada, até porque o trabalho está a ser feito. Na verdade, […] até 2017 não sabíamos o que queríamos fazer da nossa floresta, andávamos todos ao engano”, diz. “Foi preciso uma tragédia” – a dos incêndios em Pedrógão Grande, que mataram 66 pessoas e feriram mais de 250, destruindo também meio milhar de casas e 50 empresas – para que todos se convencessem que “algo tinha que mudar”, reconhece. Neste contexto, o autarca não consegue compreender como é que há câmaras municipais que ainda não aderiram ao “Aldeia Segura Pessoas Seguras”, defendendo que a adesão passe a ser “obrigatória”.
Ao mesmo tempo, “o cadastro não está feito em todo o lado, há pessoas que têm terrenos e não sabem que são donos de terrenos”, realça Miguel Borges. Um dos desafios é convencer os proprietários a entregarem a gestão dos terrenos à AGIF. “Continuarão sempre a ser os proprietários, o que farão é entregar a gestão desse espaço a uma entidade que fará o tratamento”, explica o autarca, reconhecendo que “estas coisas não se mudam por decreto de um dia para o outro”.
Condomínio de Aldeia em fase inicial
Enquanto isso não acontece, no concelho de Sardoal dá-se mais um passo: está em curso a adesão ao Condomínio de Aldeia, um programa complementar, dirigido a aldeias localizadas em territórios vulneráveis de floresta, que passa por criar uma faixa de gestão de combustível de 100 metros em redor dos aglomerados populacionais (ou 50 metros em redor de habitações dispersas) e que financia a substituição do solo florestal por solo agrícola. No concelho, 36 aldeias de três freguesias, com mais de duas mil pessoas, vão aderir ao programa, num investimento de mais de um milhão de euros. Uma parte já está a executar o programa, uma segunda já recebeu aprovação e uma terceira aguarda a aprovação da candidatura.
Oliveiras e medronheiros ganham terreno
Os eucaliptos e pinheiros estão a ser substituídos, nas aldeias do concelho de Sardoal por oliveiras e medronheiros, espécies mais eficazes na contenção dos incêndios, alterando a paisagem e, de caminho, também “a questão cultural”. Os eucaliptos e pinheiros que estavam demasiado próximos da estrada estão agora reduzidos a cotos de tronco. São as faixas de contenção secundária, da responsabilidade das autoridades locais (as primárias são desbravadas pelo Estado central e também há algumas por ali).
Ainda assim, é difícil manter o terreno totalmente limpo daquelas duas espécies muito inflamáveis, que renascem rapidamente e custam a eliminar, explica Nuno Morgado, comandante dos bombeiros municipais e coordenador municipal da protecção civil no concelho de Sardoal, enquanto guia a Lusa pelo território. “Ainda há três semanas mandei cortar isto e vejam como está”, desabafa, apontando para a erva que já desponta na berma. “Este está a ser um ano terrível”, diz.
Ainda que permaneça “a questão cultural” da posse dos terrenos, muitas vezes herdados, Miguel Borges diz que começa a haver uma maior sensibilização dos proprietários para a substituição de espécies prejudiciais. A cumprir o último mandato, Miguel Borges fala-nos junto a uma plantação de cactos, com a qual o proprietário fez uma faixa de contenção, retirando agora “algum rendimento” da produção de figos-da-Índia. “Tentamos sensibilizar as pessoas para que substituam por espécies agrícolas”, que evitam a perda de rendimento e, simultaneamente, protegem pessoas e bens, porque “podem retardar a evolução do incêndio”, realça, mencionando “uma grande vinha no Sardoal que impediu que o último incêndio chegasse às habitações”.
Outro caso de sucesso, que a Lusa observou no terreno, é o medronheiro, uma das plantas mais resistentes ao fogo, porque a seiva que liberta impede o crescimento de mato rasteiro. “Se as aldeias estiverem mais protegidas, os meios, quando há uma catástrofe, um incêndio, podem ir mais para a frente de fogo e não se preocuparem tanto com as aldeias e as pessoas e os bens”, assinala Paulo Pedro, presidente da Junta de Freguesia de Alcaravela, no poder local há quase 18 anos.