Sociedade | 28-07-2024 21:00

Leonor e Otília esperam e desesperam por obras que adaptem as casas às suas limitações

Leonor e Otília esperam e desesperam por obras que adaptem as casas às suas limitações
TEXTO COMPLETO DA EDIÇÃO SEMANAL
Leonor Coelho e Otília Carvalho

Leonor Coelho e Otília Carvalho, cidadãs deficientes residentes no concelho de Coruche, enfrentam uma luta pela dignidade e acessibilidade. A aprovação das suas candidaturas ao programa Acessibilidades 360º trouxe esperança, mas a inércia e falhas na execução deixaram-nas desamparadas. Há quase dois anos que esperam pelas prometidas obras nas suas casas.

Leonor Coelho, residente na Fajarda, perdeu totalmente a visão em 2016, expressa a sua indignação face à discriminação que sentiu ao longo do processo para obtenção de apoio do programa “Acessibilidades 360º”, destinado a pessoas com deficiência e englobado no Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Actualmente reformada, foi através de um grupo de WhatsApp, em 2022, que se apercebeu sobre um programa que promete facilitar a vida diária e a autonomia em casa para pessoas com deficiência.
Ao tentar candidatar-se ao programa, deparou-se com a falta de conhecimento do mesmo por parte do município. Persistente, conseguiu que o seu processo fosse enviado no último dia do prazo, 30 de Setembro de 2022. No entanto, o desenrolar do processo foi lento e frustrante. Em Maio de 2023, foi informada de que o projecto tinha sido aprovado e que as obras começariam em Junho. Confiando na informação, Leonor Coelho preparou a sua casa para as obras, mas estas nunca começaram.
“Passei Junho e Julho a aguardar, depois de ter desarrumado a casa para as obras. Em Julho disseram-me que podia ir de férias porque as obras só ocorreriam no final de Setembro. Com a minha reforma de 700 euros, não podia marcar férias em Julho ou Agosto”, desabafa a invisual. O ano de 2023 foi marcado pela desorganização na sua casa, com objectos fora do lugar, aguardando sempre uma actualização da situação que nunca chegou.
Com perda total de visão, Leonor Coelho explicou que teve de ser ela própria a retirar os objectos da sua casa, nomeadamente de uma arrecadação, para que possa saber, depois, onde estão as coisas que lhe podem vir a fazer falta, daí não ser possível outra pessoa ajudar no processo.
A situação arrastou-se até Junho de 2024, quando foi informada de que a obra tinha ido a concurso, mas não houve empresas interessadas. A comunicação recebida do município, incluindo uma carta, agravou ainda mais a sua frustração e sentimento de desrespeito. “Antes de ser cega, sou pessoa. Gostava muito que me tratassem com respeito e dignidade. Não tive notícias de nada e prometi a mim própria que nunca mais ia tocar no assunto para não me enervar e desgastar psicologicamente”, afirmou Leonor Coelho perante os autarcas do executivo municipal na reunião de 17 de Julho.

Lentidão no processo e falta de acessibilidades em Coruche
Otília Carvalho, funcionária pública de 60 anos e residente em Vinhas da Erra, também enfrenta dificuldades relacionadas com o programa Acessibilidades 360º. Dependente de uma cadeira de rodas, foi a cidadã que trouxe a legislação ao conhecimento do presidente da câmara e fez vários contactos por email para acompanhar o progresso da candidatura. “Infelizmente, estas coisas não circulam e não são feitas para serem executadas, mas sim para dar nas vistas politicamente”, critica.
A munícipe diz ter estado frequentemente envolvida no “jogo do empurra” entre o município e o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR). “Reencaminhei o email três vezes para a câmara municipal e para o INR para saber o ponto de situação e, à terceira vez, tive resposta. As respostas eram insatisfatórias e havia uma clara lentidão no tratamento do processo, mais do INR do que da autarquia”, relata.
A funcionária pública lamenta, por outro lado, a invasão da sua privacidade, pois os seus emails foram impressos e partilhados internamente na câmara. “Meus senhores, políticos e cargos de chefia que tanto falam de protecção de dados, eu fui claramente invadida na minha privacidade”, denuncia. Além disso, Otília Carvalho critica a falta de acessibilidade no concelho de Coruche, onde as adaptações urbanas são inadequadas e a vontade política é insuficiente para realizar mudanças significativas. “Continuo a ver um concelho de Coruche totalmente inacessível à minha condição física. As adaptações não são feitas porque não há vontade política”, conclui.
Francisco Oliveira, presidente da Câmara de Coruche, compreende a frustração e a mágoa das cidadãs afectadas. Explicou que o programa Acessibilidades 360º, implementado pelo governo, atribui aos municípios a responsabilidade de executar obras em residências particulares, num processo que diz ser “complexo e sujeito a regras” rigorosas. “Estamos a ser penalizados pela mágoa e incompreensão de ambas do projecto que resolvemos acolher enquanto barriga de aluguer”, afirmou o edil.
De acordo com Francisco Oliveira, apesar dos esforços da câmara para lançar a empreitada, o primeiro concurso ficou deserto. “Infelizmente, o hiato de tempo que decorreu fez com que houvesse uma decisão de revogação do procedimento em Junho de 2023, tendo em conta que ninguém concorreu. Significa que foram convidadas empresas, mas ninguém respondeu. O executivo não pode pressionar qualquer empreiteiro a responder”, esclarece.
Um novo concurso foi lançado em Abril de 2024 com reforço financeiro do PRR, e espera-se que as obras possam começar ainda este ano. “Assumo o compromisso de fazer o ponto de situação do processo a cada sexta-feira”, comprometeu-se o presidente, pedindo desculpas pelo sentimento de frustração a Leonor Coelho e Otília Carvalho.

O que diz o programa Acessibilidades 360º

O programa Acessibilidades 360º engloba os cidadãos com deficiência e/ou incapacidade permanente com grau igual ou superior a 60%. O Programa de Intervenção em Habitações visa melhorar as acessibilidades em habitações para pessoas com deficiência e/ou incapacidade permanente, em todo o território de Portugal Continental, com o objectivo de apoiar intervenções em, pelo menos, mil habitações. O apoio financeiro por tipo de intervenção e por valor unitário (valores sem IVA incluído) é atribuído até ao limite máximo de 15.500 euros por habitação a intervir.

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