Sociedade | 07-08-2024 18:00

Pressão psicológica e falta de apoio levam mães a pôr um ponto final na amamentação

Pressão psicológica e falta de apoio levam mães a pôr um ponto final na amamentação
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Equipa da maternidade da ULS do Médio Tejo. fotoDR

Na região ribatejana o número de recém-nascidos alimentados em exclusivo a leite materno diminui após alta hospitalar. Falta de apoio, pressão psicológica e mitos associados levam mães a pôr um ponto final numa experiência desejada. Esta é a visão de três enfermeiras especialistas sobre a amamentação, a forma de alimentar recomendada pela Organização Mundial de Saúde ainda desprotegida pelas políticas públicas.

A taxa de mães a amamentar em exclusivo os seus bebés recém-nascidos diminui após alta hospitalar, sendo que nalguns casos ocorre mesmo a substituição total da amamentação por leite artificial. A percepção é de profissionais de saúde das unidades locais de saúde da Lezíria e do Médio Tejo que reforçam a O MIRANTE, a propósito do Dia da Amamentação que se assinala a 1 de Agosto, que na base da desistência deste projecto - que em muitos casos foi desejado e preparado - estão diversos factores desde fisiológicos, a psicológicos, sociais e culturais. “Após alta hospitalar alguns casais enfrentam dificuldades que podem comprometer o projecto de amamentação, nomeadamente a falta de uma rede de apoio”, refere a enfermeira especialista em Saúde Materna e Obstétrica no Hospital Distrital de Santarém, Isabel Serrão, acrescentando que também se constata a “carência de suporte de profissionais qualificados no domicílio para resolução de situações inerentes à descida de leite”. Isto porque amamentar não é apenas um acto de amor, natural ou inato, mas um processo que pode vir acompanhado de dor, dúvidas e dificuldades que requerem suporte profissional facilitador ao sucesso da amamentação.
Segundo a enfermeira especialista em Saúde Materna e Obstétrica na ULS Médio Tejo, Paula Carrilho, as dificuldades na pega, a dor e desconforto devido fissuras nos mamilos, mastite, falta de apoio do parceiro, pressão de amigos, familiares ou profissionais de saúde que desencorajam a amamentação ou promovem o leite artificial, e a depressão pós-parto, são alguns dos factores fisiológicos, sociais e psicológicos que levam ao insucesso da amamentação. A juntar a isso, realça, existem mitos associados como a mulher “não produzir leite suficiente o que pode levar à suplementação com leite artificial ou mesmo à desistência do aleitamento materno em exclusivo”. A amamentação em horário livre de forma exclusiva pode ser exaustiva, especialmente sem apoio adequado, afirma ao nosso jornal Paula Carrilho, salientando que “apoio adequado, informação e encorajamento são cruciais para ajudar as mães a superar os desafios da amamentação exclusiva”. É precisamente com esse objectivo que na ULS Médio Tejo, onde a taxa de mulheres que saíram da maternidade a amamentar em exclusivo no ano 2023 foi de 71,72%, se promove a literacia sobre o tema, sendo disso exemplo o programa de preparação para o parto e parentalidade que inclui sessões sobre aleitamento materno. “Existem enfermeiros especializados ou com formação em aleitamento materno que dão apoio às mães, ajudando-as com técnicas e resolvendo problemas como a pega incorrecta e a dor a amamentar”, afirma, evidenciando que “na maternidade a mãe é sempre incentivada a amamentar na primeira hora de vida do bebé, o que é crucial para o sucesso da amamentação a longo prazo”.
Também no Hospital de Santarém, refere a enfermeira Isabel Serrão, é “dado todo o apoio no acompanhamento no processo, envolvendo o pai na prática”, sendo também “facultada informação sobre os benefícios da amamentação e da resolução de pequenos problemas que podem acontecer durante o processo, com o objectivo de promover a literacia e incentivar a prática”. Isto, além dos cursos de preparação e recuperação pós-parto e do Cantinho de Amamentação, um serviço de apoio ao aleitamento materno. “Muitas mulheres deparam-se com problemas relacionados com o aleitamento materno o que pode influenciar o sucesso do mesmo. No entanto, na maioria das situações, com o apoio adequado, as dificuldades podem ser ultrapassadas ou minimizadas, evitando o desmame precoce”, vinca a enfermeira especialista em Saúde Materna e Obstétrica na ULS Lezíria, Adelaide Martins.

Enfermeira especialista Maria Adelaide Martins

Políticas públicas inimigas da amamentação

A enfermeira Adelaide Martins lembra que “o leite materno é o alimento mais adequado para o recém-nascido e o lactente, devendo ser a opção exclusiva até aos seis meses, já que consegue satisfazer todas as necessidades nutricionais, promover o fortalecimento do sistema imunitário, prevenir doenças, bem como beneficiar a saúde da mãe”. No entanto, lamenta, “as políticas em Portugal ainda não atingiram este nível, uma vez que o regresso ao trabalho se dá antes dos seis meses e as mães/pais se vêem obrigados a comprometer o projecto de amamentação e a iniciar a alimentação diversificada mais cedo”. Actualmente, segundo a lei em vigor, a mãe tem direito a duas horas de dispensa por dia para amamentação. Contudo, segundo dados da Direcção-Geral de Saúde (DGS), apenas 22% das mães em Portugal mantêm em exclusivo o aleitamento materno até aos seis meses de vida do bebé.

Enfermeira Isabel Serrão do Hospital de Santarém

Marketing ao leite artificial fora dos hospitais

O mesmo estudo da DGS culpa a publicidade agressiva a produtos substitutos do leite materno para a baixa prevalência da amamentação. No caso da ULS Lezíria, da qual faz parte o Hospital de Santarém, como da ULS Médio Tejo, que inclui o Hospital de Abrantes, Tomar e Torres Novas são seguidas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, ou seja, não é permitida a afixação de publicidade a leite de fórmula e outros produtos complementares à alimentação do bebé. Uma conduta que, reforça Paula Carrilho, “visa proteger e promover o aleitamento materno, garantindo que não há influências comerciais que possam desincentivar a prática da amamentação exclusiva”.

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