O historiador que incentiva os alunos a pensar pela própria cabeça
Criado na Póvoa de Santa Iria, o historiador João Lázaro tem o doutoramento publicado em livro, apresentado este ano na Feira do Livro de Lisboa.
É investigador associado do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE e é professor na Escola Secundária do Forte da Casa, onde enfrenta o desafio de ensinar História num ambiente em que as redes sociais reinam e moldam a percepção dos jovens. O docente acredita que ao encorajar o pensamento crítico ajuda os alunos a compreender o Mundo que os rodeia.
Começou a ter consciência política em 2003, quando os Estados Unidos da América invadiram o Iraque. Acompanhou as manifestações em Lisboa e desde aí acredita que o Mundo ficou pior. Nascido em Lisboa, João Lázaro, 39 anos, passou a infância e adolescência na Póvoa de Santa Iria, cidade onde ainda reside. Sempre se interessou por História mas nunca pensou vir a ser historiador e investigador associado do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). “A minha vida foi por degraus. Acabei por ser investigador, mas é um mundo precário em que esperamos pela renovação das bolsas. Como há falta de professores no ensino básico e secundário quando acabei o doutoramento decidi experimentar”, conta. Começou a medo. O público das escolas é diferente do que encontra nos congressos e palestras académicas mas na escola sente que ajuda a mudar vidas.
Deu aulas no Sobral de Monte Agraço e em Lisboa e actualmente lecciona história na Escola Secundária do Forte da Casa, onde foi aluno. Um regresso à casa de partida. “É nostálgico. Tenho colegas que foram minhas professoras e que me ensinaram enquanto aluno. Agora ajudam-me enquanto professor”, diz.
Por causa das redes sociais e dos chamados “influencers” alguns alunos põem em causa momentos da História. Mas João Lázaro consegue desconstruir algumas teorias da conspiração, o que torna as aulas interessantes. “O meu maior desafio nas aulas é o sentido crítico. Eu procuro que as turmas encarem a História não como um entendimento de factos mas sim com perguntas e respostas, sobre porque é que algo aconteceu de determinada forma e quais foram as motivações económicas, políticas e sociais”.
Nas aulas costuma dar o exemplo da Revolução Francesa quando o rei foge de Paris mas acaba por ser apanhado. Quando regressa a Paris, o povo recebe ordens para não assobiar nem bater palmas à chegada do rei. É o mote para iniciar a conversa com os alunos, que perguntam porquê e começam a puxar pela cabeça. Numa sociedade que dá opiniões sobre tudo, das vacinas ao Médio Oriente, mesmo sem qualquer conhecimento de causa, para o docente o primeiro passo é assumir que não se sabe. Nas aulas colocam-lhe questões para as quais não tem resposta mas que não se atreve a responder sem informar-se primeiro.
Cativar os alunos e não repetir erros do passado
Os exemplos históricos que cativam os alunos deviam ser melhorados, mas o programa da matéria que é suposto leccionar nas aulas é bastante aceitável. João Lázaro não partilha a tese que aponta os professores como estando pré-formatados pelo Ministério da Educação para ensinar uma doutrina. “Se o historiador for sério, dá a matéria toda que está prevista sem demonstrar as suas vontades e preferências políticas. O historiador tem a tarefa de apresentar os dados e debater com os alunos e devemos confrontar-nos com factos, documentação e arquivos e trabalhar nessa base”, refere.
Com a falta de professores que existe, não consegue compreender porque é que docentes com doutoramento, obra feita, livros publicados e que já deram aulas não tenham acesso aos concursos para poderem ser professores contratados. No cenário actual, para concorrer têm de fazer o mestrado em educação enquanto não se pensa num caminho alternativo.
Doutoramento deu um livro
João Lázaro tem três livros publicados. O último é a sua tese de doutoramento adaptada aos leitores. “Na Teia da Aranha - Debate público, mobilização e internacionalismo no movimento operário português (1865-1877)” é o nome da obra que estuda o movimento operário português na altura em que começa a ter ligações com o internacionalismo, nomeadamente com Marx, Engels e os anarquistas espanhóis. “Este livro não é político, é histórico e está baseado em fontes portuguesas e internacionais. Quem me incentivou foi a professora Fátima Sá e tive o convite de uma editora do Porto para publicar”, explica.
João Lázaro descobriu novos documentos e consultou arquivos nos Países Baixos e em Barcelona. “Foi muito interessante porque Marx e Engels mandaram cartas para Portugal, para o José Fontana e para o Antero de Quental mas que não sabemos onde estão. Possivelmente terão sido destruídas ou estão ai para serem encontradas”, revela.
No currículo tem o livro escrito no centenário da República, em que documentou o “Republicanismo na Póvoa de Santa Iria na Alvorada do 5 de Outubro de 1910: Elementos para a história da freguesia”. A O MIRANTE recorda com carinho o dia em que o livro foi lançado no Grémio Dramático Povoense com casa cheia. As edições deste livro acabaram por esgotar e João Lázaro defende que o leitor comum está disposto a conhecer a história do sítio onde vive.
Entre o livro com a sua tese de mestrado e outros artigos que escreveu, conta que gostava de aprofundar a vida de Raul Alves, de Vialonga, que foi atirado da sede da antiga PIDE e que acabou por morrer. A vida do primeiro presidente do concelho de Vila Franca de Xira, Sabino Garcia Gomes, também dava um bom livro, assim tenha tempo para pesquisar e escrever sobre a história.