Sociedade | 14-08-2024 12:00

O Tejo é a maior jóia da região mas está a ficar doente

O Tejo é a maior jóia da região mas está a ficar doente
TEXTO COMPLETO DA EDIÇÃO SEMANAL
Dina e Inácio Guerra de Alhandra partilham o mesmo apelido mas não têm laços familiares, unindo os apenas a paixão pelo rio Tejo

Poluição e alterações climáticas estão a fazer com que seja cada vez mais difícil trazer do Tejo redes cheias de peixe como antigamente. Associação dos Pescadores de Alhandra avisa que, a este ritmo, daqui a uma década não haverá quem consiga viver só da pesca, à excepção de quem andar a pescar amêijoa ilegalmente.

Longe vai o tempo em que tudo o que vinha à rede era peixe. Os pescadores ribeirinhos do Tejo, no concelho de Vila Franca de Xira, estão alarmados com a falta de peixe no rio e por este caminhar daqui a uma década não haverá na vila de Alhandra quem consiga viver a tempo inteiro apenas do peixe que o rio dá.
Há escassez de peixe no Tejo e a culpa é apontada a vários factores, da crescente poluição das águas, devido aos químicos usados no cultivo do arroz que se produz na lezíria, ao assoreamento, aquecimento das águas e às alterações climáticas que estão a ter impactos nas marés. “Há pouco peixe no Tejo e cada vez é menos, é um problema”, alerta Inácio Guerra, pescador de Alhandra e um dos rostos da Rios & Marés, Associação dos Pescadores de Alhandra. Teme que daqui a uma década não haja quem, como ele, ainda viva do que as águas dão.
“Se toda a gente que anda no rio andasse a pescar peixe, que não anda, então o que existe há muito que não dava para todos”, lamenta a O MIRANTE o pescador que aos 64 anos anda na apanha da corvina antes de, depois do Verão, se virar para o robalo. Na zona de Vila Franca de Xira a lampreia é há muito uma miragem, o linguado também já migrou para outras paragens e o tão famoso sável, que dá nome a uma popular campanha gastronómica em VFX, há anos que não vem à rede. Pouco mais sobra na zona que a corvina, o robalo, umas enguias, uns camarões e, claro, a amêijoa, que é proibido apanhar mas toda a gente sabe que é o que vai permitindo a muitos ganhar a vida nos meses mais difíceis enquanto se finta as autoridades. “Eu próprio apanhei quando era novo mas depois de ter sido multado desisti e deixei-me disso”, garante Inácio Guerra.
A presidente da Rios & Marés, Dina Guerra, partilha o apelido com Inácio Guerra mas não têm relação familiar. Confirma a O MIRANTE que as mudanças no rio são visíveis para quem todos os dias se chega às suas margens. “As marés já nem vazam como antigamente. Há demasiado lodo nas margens. Quando eu era pequena havia areia quando a maré vazava. Estamos muito tristes com a forma como o Tejo tem sido tratado. Isso revolta-nos. A poluição está horrível para quem vive do Tejo”, alerta a mulher que é assistente técnica na piscina da vila.
Também Inácio Guerra confirma o problema. “Chego a andar uma semana ao peixe sem trazer nada. Depende das marés e já nem elas estão iguais”, alerta. A falta de peixe, somada ao aumento dos custos para quem tem embarcações, com seguros, licenças, vistorias, iscos e impostos, tem também levado a que cada vez menos pescadores lúdicos encham o rio ao fim de semana como antigamente, garantem os responsáveis da associação. “Sai muito caro e os pescadores de fim de semana deixaram de vir desde a pandemia”, confirmam os dirigentes. O Tejo, dizem, é a maior jóia de Alhandra e da região mas está doente e temem que se nada for feito as consequências possam ser irreversíveis.

A voz dos pescadores
A Rios & Marés foi fundada há uma década tendo como objectivo ser um pólo aglutinador da comunidade de pescadores de Alhandra. Depois de vários anos a promover actividades que juntavam a comunidade, a pandemia travou tudo e a colectividade deixou de ter o seu bar a funcionar. Hoje é a principal voz da comunidade junto das entidades oficiais, como a Câmara de Vila Franca de Xira e promove algumas actividades para angariar fundos para a festa de recepção de Nossa Senhora dos Avieiros do Tejo que a visita anualmente. A falta de gente jovem para agarrar no leme da associação e de quem esteja disponível para dar do seu tempo para manter o espaço de portas abertas são outros desafios que a associação enfrenta. Por esse motivo, apesar de ter sócios, deixou de cobrar quotas. “Mantemos as portas abertas porque acreditamos que é importante os pescadores terem uma voz comum”, explica Dina Guerra.
Actualmente, a comunidade de Alhandra tem uma dezena e meia de pescadores no activo. “O que mais precisamos é que os pescadores se unam, há muitos que ainda só puxam para o seu lado e em vez de meterem as cartas na mesa preferem falar nas costas uns dos outros. A desunião é um dos nossos problemas. Se todos estivessem unidos conseguia-se muito mais para todos”, defende a presidente da colectividade.
Dina e Inácio Guerra dizem-se orgulhosos da sua Alhandra natal e garantem que é a zona ribeirinha mais bonita do concelho de VFX. “Alhandra está orgulhosa das suas virtudes mas tenho pena do antigo Teatro Salvador Marques estar ao abandono, é um desperdício”, lamenta Dina Guerra, com Inácio Guerra a confirmar. “Com o espaço recuperado ajudava a desenvolver mais a terra”, acrescenta. Os dirigentes esperam que, apesar das dificuldades em arranjar voluntários para ajudar na associação, esta possa continuar a desenvolver as suas actividades no futuro e a ser uma voz dos pescadores da terra.

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