Sociedade | 21-08-2024 15:00

João Rodrigues, de 89 anos, é um exemplo de como um homem pode ter uma segunda vida

João Rodrigues, de 89 anos, é um exemplo de como um homem pode ter uma segunda vida
João Rodrigues, aos 89 anos, ainda quer ter uma vida activa e sentir-se útil

João Rodrigues, 89 anos, é da zona de Abrantes mas vive no Centro Social da Serra do Alecrim, onde passa os dias na sua mesa de trabalho a fazer peças em madeira. Além dessa actividade, dedica-se à leitura e a tomar conta da horta dessa instituição da freguesia de Alcanede. Começou a trabalhar aos 10 anos e foi colocado no centro social em 2021 depois de um período de depressão em tentou pôr termo à vida.

João Rodrigues é natural de Alvega, no concelho de Abrantes, mas reside há cerca de três anos no Centro Social da Serra do Alecrim, na freguesia de Alcanede, concelho de Santarém, onde passa os dias a fazer trabalhos manuais em madeira. Mudou-se para a instituição após uma tentativa de suicídio, depois do falecimento da esposa. “Fiquei muito triste nessa altura. Deixei de comer, perdi as forças e a vontade de viver. Antes passava os dias no centro de assistência social de Alvega, mas depois da minha esposa ter falecido, comecei a ficar em casa e iam lá algumas técnicas ajudar-me” recorda.
Tentou enforcar-se em casa, pela noite, mas a corda que o deveria sustentar partiu-se, deixando-o no chão onde ficou até ser encontrado na manhã seguinte por não ter forças para se levantar. Após ser avaliado nos hospitais de Abrantes e de Tomar, foi enviado, por uma assistente social, para o Centro Social da Serra do Alecrim. O seu dia começa pelas 08h00 da manhã e só termina às 22h00. A maioria do tempo é passada na sua mesa de trabalho, ao lado da sala de convívio de utentes, onde cria várias peças em madeira desde botas, bonecos, maquetas de serralheiros e piões.
Leitor semanal de O MIRANTE, afirma que a leitura de livros e jornais também faz parte do seu dia, assim como ouvir telefonia e cuidar da horta do centro social e do galo e da galinha de estimação da instituição. Acredita que os trabalhos manuais e as restantes actividades servem para estar entretido, sentir-se útil e passar o tempo de forma activa. A madeira com que faz trabalhos, recolhe-a no pinhal junto à instituição. Na horta, toma conta das plantações de feijão, couves e abóboras.

Retirado da escola para ir guardar gado
A pessoa que mais o marcou, afirma, foi o avô. Por ser filho de mãe solteira, até aos 10 anos viveu com os avós. Passava o dia na escola e, no regresso a casa, andava sempre na horta com o avô, que recorda com saudade. “Não há dia que não pense nele. Foi o meu melhor professor, mesmo sem saber ler nem escrever. Foi a pessoa mais importante da minha vida. Tínhamos conversas longas e ele desabafava muito comigo as dificuldades da sua vida”, recorda com emoção.
Aos 10 anos, a mãe casou-se e João Rodrigues voltou para a casa da progenitora onde a relação com o padrasto não era a melhor. O companheiro da mãe tirou-o da escola e entregou-o numa casa de lavradores para começar a trabalhar a guardar gado. “Fiquei nessa casa quatro anos. O casal de lavradores tinha mais três filhos, mas trataram-me como sendo filho também, senti-me bem ali. Aos 14 anos voltou a mandar-me para casa de outro casal e passei a lavrar o terreno com uma junta de vacas, juntamente com um dos filhos deles e também gostei e senti-me bem, tinha gosto”, conta.
A vida deu nova volta quando, aos 17 anos, o padrasto o voltou a mandar para casa de um dos empresários locais para guardar gado. Relembra esse período com infelicidade e como o momento em que se cansou e assumiu as rédeas do seu destino. “Estava na idade em que já se ia aos bailaricos e olhávamos para as raparigas. É uma fase em que queremos tomar conta de nós e por isso decidi sair. Disse à minha mãe que iria ser eu a assumir a responsabilidade de encontrar trabalho. Trabalhei mais uns meses na vinha, de sol a sol, até ir para a tropa aos 18 anos”, diz.
João Rodrigues esteve na tropa até aos 20 anos onde, devido a uma das maiores infelicidades da sua vida, tornou-se barbeiro da companhia. “Um dos fins-de-semana que fui a casa, cheguei sábado de manhã e a minha mãe conta-me que o meu avô morreu. Fui vê-lo, estive com ele algum tempo e reparei que tinha a barba grande. Por indisponibilidade do barbeiro que fazia esse serviço, fui eu que lhe cortei a barba e paguei o caixão. Comecei a ir aprendendo a cortar a barba e o cabelo e cheguei a fazer esse serviço na tropa”, conta.

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